“Uma mulher alegre, divertida e que contagiava todos ao seu redor”, assim é lembrada Elizete de Amorim Malveira, de 39 anos. Ela já foi manicure, era dona de casa, amiga, mãe, avó e esposa do homem que tirou sua vida na noite do último domingo (19), em Feijó. Esse é o 10° caso de feminicídio no Acre em 2025, um crime torpe e banal que mostra o reflexo de uma sociedade patriarcal que vitimiza mulheres e meninas.
“Zete”, como era conhecida pelos amigos e familiares, tinha dois filhos de um relacionamento anterior. Na data do assassinato, ela comemorava o nascimento da neta, que chegava ao mundo naquele mesmo dia. Elizete de Amorim deixa dois filhos e dois netos, e uma que nem sequer chegou a conhecer.
Quem era Elizete de Amorim Malveira
“Sempre tivemos uma ótima relação. Para mim, ela era como uma mãe, ela era uma mulher alegre, divertida e que contagiava todos ao seu redor, até que ela foi embora para Feijó, para morar com o Elisangelo”, é o que diz Anna Marques, de 19 anos, amiga de Elizete.
Zete trabalhou como manicure em Rio Branco, onde viveu a maior parte da vida, no bairro Panorama. Há cerca de dois anos, decidiu se mudar para Feijó ao lado do então marido, Elisangelo Sousa da Silva, conhecido como “Hélio”. Na capital, os dois chegaram a administrar um bar, e no interior, ela embarcou no sonho dele de construir um novo negócio no local.
“Minha mãe era a melhor pessoa que existia, ajudava a todos que precisavam e era uma boa filha, uma boa mãe e era uma ótima amiga e companheira. Não tenho palavras para descrever, só quem a conheceu, sabe o coração gigante que ela tinha”, diz Iolanda Mesquita, filha de Zete.

De acordo com Iolanda, ela e o irmão perderam o pai há cerca de quatro anos. Apesar da distância, mãe e filhos mantinham uma relação próxima de forma on-line. A mudança para Feijó foi motivada pela esperança de uma vida melhor. No dia do assassinato, lembra a filha, Elizete estava especialmente feliz, celebrava a chegada da neta que nascia naquele mesmo dia.
“Ela deixou a profissão dela a partir do momento que ele a levou embora, quando parou de fazer unhas e começou a se dedicar a ajudar ele a construir sua casa, onde ela foi assassinada. Ela passou a ajudar ele no sonho dele, e sempre me dizia que estava sem dinheiro porque dava para o Hélio pagar contas. Ela só fazia isso, ajudava ele a crescer”, relata a filha.
O dia do assassinato
No último domingo do dia 19, Zete comemorava a chegada de uma neta, mas acabou sendo assassinada por aquele que dizia amá-la. Segundo a Polícia Civil, ela e o companheiro, “Hélio”, com quem vivia há cerca de 8 anos, tiveram uma discussão no dia do crime, após isso, ele com um único disparo de espingarda acertou o abdômen de Elizete, e fez-se com que fosse a óbito.
O corpo foi levado ao hospital e, depois, ao Instituto Médico Legal (IML). O homem foi preso em flagrante enquanto tentava fugir por um aplicativo de transporte.
“Vi minha mãe sorrir pela última vez por uma ligação feliz, pelo nascimento da sua neta. Por volta das 18h, tentei falar com ela novamente, mas ela não atendeu. Quando pensei que estava tudo bem, recebi a ligação da minha prima dizendo que ele tinha feito isso. Fiquei sem acreditar”, relatou Iolanda Mesquita.
Vítima de violência doméstica
“Na última vez que eu falei com ela, ela disse que viria embora [para Rio Branco], porque não aguentava mais”, relata uma amiga próxima de Elizete, que preferiu não se identificar.
O feminicídio é um crime que ocorre em um ambiente violência doméstica e familiar, e costuma ser o resultado de uma série de violências que a mulher vem sofrendo ao longo do tempo. No caso de Elizete, amigos e familiares relatam que episódios de agressão verbal e física eram recorrentes. “Ela se relacionou com ele e não conseguiu mais sair do relacionamento abusivo”, diz a amiga.
“Ele chegou a bater nela na minha frente quando eu era mais nova, mas não fiz nada por medo”, relata a filha, mostrando que os episódios de violência doméstica levaram ao dia do crime.
“Minha mãe vivia infeliz porque ele sempre maltratava ela. Mas em momento nenhum ela nos falava porque sabia o que poderia acontecer com ele, e ela amava demais ele. Não consigo entender o porque ele fez isso, desde o início do relacionamento ele sempre foi muito agressivo com ela e ignorante”, relata a filha.
Somado a esse caso, o Acre registra, em 2025, 10 casos de feminicídio. Os números ultrapassam os casos de 2022, quando houveram 9 registros, e de 2024, com 8 registros. O ano de 2025 se iguala ao ano de 2023 em números. Os dados são do Relatório de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, da Polícia Civil.
Em números de violência doméstica, somente até setembro deste ano, foram 4.668 ocorrências, de acordo com dados do Painel de Acompanhamento de Registros de Ocorrências de Violência Doméstica consumadas e tentadas no estado, elaborado pelo Ministério Público do Acre (MPAC).

A violência doméstica não é apenas a agressão, ela pode ser identificada em diferentes ciclos, sendo eles: violência psicológica, patrimonial, moral, sexual e física. Todos os ciclos podem levar ao feminicídio. Comumente acredita-se que apenas a violência física resulta em morte, mas não há ordem para a manifestação das ações agressivas.
Denunciar é necessário
“Minha mãe me aconselhava muito em questão de feminicídios. Que eu deveria tomar cuidado com quem iria me relacionar e não podia aceitar certas coisas, mas ela dedicava a vida dela às outras pessoas, e esqueceu de se cuidar”, relata Iolanda, a filha de Elizete.
Diversos motivos podem levar uma mulher que sofre violência doméstica a continuar no relacionamento abusivo. Medo, insegurança financeira, culpa e até mesmo a violência psicológica que ela sofre. De acordo com relatos da amiga de Elizete, ela e Elisangelo chegaram a se separar algumas vezes, mas com as promessas de mudança do companheiro, Zete acabava voltando ao relacionamento.
A amiga, que também já passou por um relacionamento abusivo, faz um apelo para meninas e mulheres.
“Eu queria muito que as meninas e as mulheres prestassem atenção nos sinais, porque começa nas palavras e depois vem os tapas! Não aceitem nem um tipo de violência, sumam, vão embora, mas não fiquem com homens que vão machucar vocês, acabar com seu emocional e até mesmo com sua vida. Denunciem e fujam”, diz.
Iolanda Mesquita, filha de Elizete, concorda: “Denunciem, nunca esperem até essa pessoa fazer algo, porque quem ama não machuca, quem ama protege”, disse.
“Ele não tinha o direito de ter tirado ela de nós, ela tem família e amigos que amam ela e que estão com o coração em pedaços, só queremos justiça. Desejamos que a justiça seja feita e cumprida, ele tem que pagar por tudo que fez”, diz Anna Marques, amiga de Elizete.
Canais de ajuda
Para combater a violência de gênero, é essencial que mulheres tenham acesso a redes de apoio e proteção. O acolhimento da vítima é essencial para romper o ciclo de violência e desvincular-se do agressor. É fundamental contar com uma rede de suporte, que pode incluir familiares e amigos, além de serviços especializados que oferecem assistência jurídica e psicológica.
- As vítimas podem procurar a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) pelo telefone (68) 3221-4799 ou a delegacia mais próxima.
- Também podem entrar em contato com a Central de Atendimento à Mulher, pelo Disque 180, ou com a Polícia Militar do Acre (PM-AC), pelo 190.
- Outras opções incluem o Centro de Atendimento à Vítima (CAV), no telefone (68) 99993-4701, a Secretaria de Estado da Mulher (Semulher), pelo número (68) 99605-0657, e a Casa Rosa Mulher, no (68) 3221-0826.
Produção da reportagem: Gisele Almeida



