O filme O Agente Secreto é ambientado durante a ditadura militar, mas sua mensagem vai muito além desse período histórico. A narrativa acompanha um professor que desenvolve um projeto científico capaz de mudar as estruturas do Estado. A descoberta, porém, o coloca em rota de colisão com o poder, e a partir daí ele se torna alvo de perseguição, violência e silêncio. À primeira vista, parece uma história sobre o passado, mas o que o filme realmente mostra é que as engrenagens do poder continuam funcionando de forma parecida no Brasil de hoje.
O professor é um símbolo do pensamento livre que ameaça as estruturas estabelecidas. Sua pesquisa toca em interesses que não podem ser questionados e isso o transforma em inimigo do sistema. Essa metáfora ajuda a entender algo muito atual: a dificuldade de promover mudanças reais em um país onde as decisões políticas e econômicas continuam concentradas nas mãos de poucos. Quando o filme retrata a censura, ele não fala apenas da repressão militar, mas da forma como o poder reage a qualquer tentativa de transformar o status quo.
Hoje o Brasil vive um tipo diferente de censura. Ela é mais silenciosa e se manifesta na economia, na política e até na comunicação. Ideias que desafiam interesses poderosos não são proibidas, mas muitas vezes são ignoradas, desfinanciadas ou deslegitimadas. É assim que o sistema continua se protegendo.
Um bom exemplo disso é o funcionamento da chamada economia do lobby. Recentemente, um estudo identificou quase quatro mil grupos de interesse atuando no país, a maioria ligada a grandes empresas e instituições financeiras. Esses grupos têm recursos e acesso direto a quem decide as políticas públicas, influenciando leis, orçamentos e tributações.
Em teoria, o lobby é um mecanismo legítimo, presente em democracias consolidadas. Ele permite que setores organizados apresentem suas demandas e participem do debate político. Na prática, porém, essa influência é desigual. Os mais ricos e poderosos têm condições de fazer suas vozes ecoarem, enquanto os trabalhadores e os mais pobres permanecem à margem das decisões que afetam suas vidas. Essa desigualdade cria uma economia distorcida, onde benefícios fiscais, créditos e incentivos vão quase sempre para os mesmos setores, enquanto os serviços públicos enfrentam cortes e a carga tributária recai sobre quem menos pode pagar.
A relação entre o filme e essa realidade é clara. O professor de O Agente Secreto tenta mudar um sistema que se recusa a mudar. O mesmo acontece quando políticas econômicas mais justas, projetos ambientais ou reformas sociais entram em pauta. O sistema reage, às vezes com discursos de medo, outras vezes com simples inércia.
As estruturas de poder, sejam políticas, empresariais ou midiáticas, operam para garantir que nada realmente transformador aconteça. A repressão explícita da ditadura foi substituída por uma forma sofisticada de controle, feita por meio de influência, lobby e desigualdade de acesso.
O que o filme nos lembra é que o poder raramente abre espaço para o novo por vontade própria. Ele precisa ser pressionado. E enquanto as pressões continuarem vindo apenas de cima, de quem tem dinheiro e acesso, o país seguirá preso ao mesmo ciclo de concentração e exclusão. A mensagem de O Agente Secreto é, portanto, muito maior do que uma denúncia política sobre o passado. É um alerta sobre o presente.
Vivemos em uma sociedade onde ideias transformadoras ainda correm risco, não de censura oficial, mas de desaparecimento por falta de espaço. E enquanto o debate público continuar dominado por quem tem voz garantida, a mudança continuará sendo vista como ameaça, e não como esperança.




