Não são de hoje os alertas dados pelos cientistas sobre o comprometimento dos recursos naturais devido a sua exploração predatória por parte da dita sociedade ocidental. Desde o início do século passado alguns pesquisadores já indicavam alterações em vários ecossistemas terrestres decorrentes da ação humana, dando grande destaque ao chamado aquecimento global, fenômeno de aumento da temperatura média de oceanos e de camadas de ar da superfície terrestre como consequência de uma associação entre causas naturais e humanas, com prevalência dessas últimas. Para a resolução desse problema, a solução que mais tem se investido se relaciona com a ideia de Desenvolvimento Sustentável, hoje compreendido como um modelo de desenvolvimento que no qual se faça uso dos recursos naturais de modo a atender às demandas da população atual, sem comprometer a capacidade das gerações seguintes de atender suas próprias necessidades.
Assim como em outras áreas da sociedade, o olhar sobre dados sociais apresentados em pesquisas científicas pode indicar a presença de outras problemáticas junto à questão ambiental. Nessas pesquisas, o racismo também se mostra como uma realidade. Marcos Bernadino Carvalho, professor Gestão Ambiental da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP resume a situação em uma frase simples: “Há um senso comum, e até um mito criado em torno da questão ambiental, de que ela nos atinge a todos igualmente”[1], mas isso não acontece.
É necessário, antes de tudo, entender o racismo não apenas como casos específicos (e frequentes na nossa sociedade) de agressão verbal ou física ou destrato com relação às características fenotípicas de negros, indígenas e outros grupos minorizados, mas sim como um fenômeno social profunda e historicamente entranhado à sociedade brasileira, que se mantém até os dias atuais e que decide quais saberes e formas de viver são legítimas, e quais grupos étnico-raciais têm acesso a condições socioeconômicas dignas[2]. O mesmo acontece com relação ao chamado Racismo Ambiental, o qual pesquisadores como Selene Herculano e Tânia Pacheco o definem como as “injustiças sociais e ambientais que recaem de forma desproporcional sobre etnias vulnerabilizadas”[3], não se configurando apenas por ações intencionalmente racistas, mas também por aquelas que tenham impacto racial, independentemente da intenção da ação.

As pesquisas[4] demonstram que as populações negras e indígenas são as mais suscetíveis às consequências em curto prazo da exploração predatória de recursos naturais e aos problemas advindos das alterações climáticas. Um exemplo é a instalação da Usina de Belo Monte, em que, mesmo com a presença na mídia de discussões científicas sobre as consequências negativas de sua construção para a cosmologia, vida e práticas tradicionais de comunidades indígenas donas daquele território, empresas privadas com incentivo financeiro público se veem na condição de fazer a instalação de tal usina de forma forçada e submeter esses sujeitos a uma lógica de desenvolvimento que em nada lhes favorece. Como mostra a literatura, as populações minorizadas, localizados hierarquicamente numa posição de poder inferior que lhe confere grande desigualdade social e econômica (com relação a outros grupos da sociedade com grandes privilégios) têm de negociar com grandes empresas e conglomerados que têm o apoio do Estado em sua atuação.
Excluídos historicamente dos processos decisórios, da participação no sistema jurídico, sendo sub-representados no poder legislativo e tendo suas formas de construção de saberes e políticas vistas a partir de um status inferiorizado, são esses sujeitos que estão mais expostos a passar por processos de desapropriação dos lugares onde vivem, pelas tragédias ambientais, pelos efeitos do aquecimento global, sofrendo as consequências negativas do desenvolvimento econômico na própria pele. Falamos de povos indígenas que habitam seus territórios e os têm invadidos pela exploração de garimpeiros, minerárias e usinas hidrelétricas; como também nos referimos à população, de maioria negra, que habita as zonas urbanas de difícil acesso, mais expostas às intempéries da natureza (deslizamentos no Rio de Janeiro, alagações em Rio Branco), com menos acesso aos sistemas públicos de saúde e educação e com pouquíssimo poder para pautar suas dificuldades na cena política da democracia, tal qual já discutido em textos anteriores dessa coluna.
Se faz necessário compreender o Desenvolvimento Sustentável a partir de uma ideia de sustentabilidade que seja politizada, que entenda que, para que possamos nos adequar a um desenvolvimento econômico e social que proteja a natureza, precisamos entender que mudanças devem acontecer e elas se relacionam com o acesso e a distribuição do poder político. A discussão sobre o racismo ambiental e a observação do recorte étnico-racial nos dados sociais são importantíssimos nesse contexto, visto que o racismo é uma realidade estrutural da sociedade brasileira, que marca a atuação de instituições e que expõe pessoas negras e indígenas como principais vítimas de tragedias ambientais. É preciso que os povos indígenas e população negra tenham acesso a uma representatividade digna (dentro da estrutura do governo e do Estado) que pense e resguarde suas culturas, territórios e modos de vida.
A compreensão da discussão sobre Racismo Ambiental envolve entender a necessidade de pautar a justiça ambiental junto a ações vinculadas ao desenvolvimento sustentável, a promoção de igualdade racial e a erradicação do racismo na nossa sociedade. É necessário que as políticas públicas voltadas para essa área estejam preparadas para entender que os sujeitos mais atingidos por esses problemas têm cor e raça, e isso deve ser elemento essencial para pensar a distribuição do poder dentro de uma democracia que se queira justa.
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[1] A exemplo do Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, elaborado por pesquisadores da Fiocruz com base em dados advindos de pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Banco de Dados do Sistema Único de Saúde (Datasus) e que trata de conflitos ambientais a partir de um recorte étnico-racial.
[1] FUENTES, Patrick. Racismo ambiental é uma realidade que atinge populações vulnerabilizada. Jornal da USP no ar. 09 dez. 2021. Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/racismo-ambiental-e-uma-realidade-que-atinge-populacoes-vulnerabilizadas/ .
[2] Pesquisadores como Nilma Lino Gomes e Silvio de Almeida indicam a presença do racismo no poder público e privado, ao ponto de proporem a existência do racismo institucional – aquele vinculado às ações (ou ausência de ações) por parte de instituições – e do racismo estrutural – aquele vinculado à estrutura da sociedade brasileira, que normaliza as relações sociais racistas.
[3] HERCULANO, Selene. Racismo Ambiental, o que é isso? Professores UFF. s/d. Disponível em: https://www.professores.uff.br/seleneherculano/wp-content/uploads/sites/149/2017/09/Racismo_3_ambiental.pdf
[4] A exemplo do Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, elaborado por pesquisadores da Fiocruz com base em dados advindos de pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Banco de Dados do Sistema Único de Saúde (Datasus) e que trata de conflitos ambientais a partir de um recorte étnico-racial.
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Professor de História aperfeiçoado em Políticas de Promoção de Igualdade Racial na Escola pelo curso Uniafro (UFAC), mestre em Educação pelo PPGE/Ufac e membro do Neabi/Ufac.