A nova ortografia da Língua Portuguesa: o que seguir?
Há pouco tempo submeti um resumo para apreciação em um simpósio e o parecerista pediu-me para “Observar a questão do trema na nova ortografia da língua portuguesa. Idem para o hífen”. As palavras que assinalei com o trema foram: Lingüístico e Sociolingüística. E as com o hífen: não-alfabetizados e semi-alfabetizados. Acolhi a solicitação, mas fiquei pensando o que estaria “errado” na minha intuição lingüística. Digitei a última palavra sem o trema, mas o co mputador me traiu e trai sempre, colocando o sinal a que está acostumado, assim como eu, com as grafias “antigas”. No entanto, tal observação me fez refletir e analisar que, de fato, temos dois acordos em vigor e que as palavras em questão estão grafadas corretas segundo a velha ortografia da língua portuguesa, ainda em vigor. Portanto, não haveria o que se corrigir no texto.
Relembrando, sabemos que o Novo Acordo foi assinado em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990 entre os oito países da Comunidade de Língua Portuguesa (CPLP), cito-os: Brasil, Portugal, Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Timor Leste. No Brasil, o Acordo foi aprovado pelo Decreto Legislativo nº 54, de 18 de abril de 1995, mas entrou em vigor, facultativamente, em janeiro de 2009 e passa a ser obrigatório somente a partir de janeiro de 2016.
Com as novas alterações, é importante observar que não houve mudança em relação à pronúncia da língua portuguesa, mas sim no registro escrito dessa língua. O Acordo é, assim, meramente de caráter ortográfico, não afetando, portanto, nenhum aspecto da língua falada, uma vez que a uniformização ortográfica nada tem a ver com uniformização da língua falada. Afinal, mesmo se adotando uma ortografia comum, continuará a existir as diferenças entre as diversas línguas portuguesas tanto em nível de nações (português de Portugal, de Angola, do Brasil) quanto em nível da pluralidade linguística num mesmo país (os falares gaúcho, mineiro, baiano, no caso do Brasil, por exemplo). Um dos objetivos centrais do Acordo Ortográfico é, na verdade, a criação de uma comunidade de países de língua portuguesa que se constitua num grupo linguístico expressivo, capaz de ampliar seu prestígio junto aos organismos internacionais, além, é claro, de unificar e potencializar o mercado editorial de língua portuguesa em nível mundial.
E, como o documento oficial do Acordo não é claro em vários aspectos (sobretudo nos 43 casos do uso do hífen), esperamos que esse texto sirva de orientação básica e sane dúvidas sobre as mudanças introduzidas na ortografia brasileira, sem preocupação com questões teóricas, pois é imprescindível, nesse momento, esclarecer que tanto o Acordo ortográfico de 1943 quanto o de 1996 estão em plena vigência. Desse modo, as duas ortografias devem ser consideradas seja pela escola e/ou em concursos públicos, em resumos de congressos ou em exames como o do ENEM, entre outros. É notório que costumam apresentar o Acordo como uma unificação da língua. Há, nessa maneira de abordar o assunto, um grave equívoco, pois o Acordo não mexe com e na língua (nem poderia, já que a língua não é passível de ser alterada por leis, decretos e acordos) – ele apenas unifica a ortografia. Algumas pessoas – por absoluta incompreensão do sentido do Acordo e talvez induzidas por textos imprecisos e sem fundamentação teórica apropriada – chegaram a afirmar que a abolição do trema (prevista pelo Acordo) implicaria a mudança da pronúncia das palavras (não diríamos mais o u de lingüiça, por exemplo). Isso não passa de um grosseiro equívoco: o Acordo só altera a forma de grafar algumas palavras. A língua continua a mesma.
Apesar dos equívocos, pode-se dizer que o Acordo é, em geral, positivo. Em primeiro lugar, porque unifica a ortografia do português. Depois, por que simplifica as regras de acentuação, limpando o Formulário Ortográfico de regras irrelevantes e que alcançam um número muito pequeno de palavras. A simplificação das regras do hífen é também positiva, uma vez que torna um pouco mais racional o uso deste sinal gráfico. Por fim, as mudanças são para nós brasileiros, insignificantes, como mencionado acima. Só nos resta aguardar “ansiosos” janeiro de 2016 para “cobrar” realmente o que será fato e/ou direito.
*Márcia Verônica Ramos de Macêdo é Mestre em Linguística – UNIR, Doutora em Letras e Linguística – UFBA – e Prof. Adjunto I – UFAC.