Decretos de calamidade permitiram o afrouxamento das regras de contratações públicas
A pandemia do novo coronavírus nos trouxe inúmeros desafios sociais, incluindo questões sanitárias, humanitárias, econômicas e políticas, com consequências ainda desconhecidas, mas já equiparadas a outros períodos sombrios da história da humanidade como a Segunda Guerra Mundial.
Todo o contexto da evolução pandêmica é suficiente para demonstrar o caos vivido pela nossa população, que ainda experimenta de forma paralela outra adversidade devastadora: o “vírus” endêmico da corrupção no Brasil, que ocupa o contraditório 106º lugar na escala do Índice de Percepção da Corrupção (IPC) mantida pela organização não governamental Transparência Internacional (TI).
Apesar de toda a atenção da sociedade e esforços dos governos se voltarem para o controle da disseminação da Covid-19, precisamos compreender e coibir o problema da corrupção brasileira, aflorado durante a situação excepcional da pandemia, através dos decretos de calamidade editados pelos poderes executivos nas esferas federal, estadual e municipal, que permitiram o afrouxamento da regras de licitações para contratações públicas.
O novo coronavírus e seus efeitos emergenciais promoveram uma grande demanda por bens e serviços para atender às necessidades sanitárias, favorecendo a manipulação de informações e o uso inadequado das verbas e orçamentos extras.
Seguindo a lógica do processo sistêmico de corrupção, fundamentada nas lacunas institucionais – legais, nas relações econômicas de “apadrinhamento” e na busca de renda por privilégios, a Covid-19 abriu amplo caminho para que os corruptos realizassem desvios, obtendo, consequentemente, vantagens ilícitas por meio da aquisição de materiais sem utilidade ou em excesso, surpefaturamento e outras irregularidades.
Durante a pandemia, o “vírus” da corrupção tem se alastrado tão rapidamente como a Covid-19. Segundo levantamento de institutos brasileiros de fiscalização do erário, após a edição dos decretos públicos de calamidade, em 11 (onze) dos 27 (vinte e sete) estados da Federação existem investigações sobre atos abusivos relacionados à corrupção.
Enquanto o Brasil atinge a marca de 20 mil mortos (fonte: Wikipédia em 21.05.2020) pelo novo coronavírus, temos que suportar atos absurdos de corrupção. No mês de Abril de 2020, as prefeituras de Lagoa de Dentro e de Aroeiras, no estado da Paraíba, adquiriram cartilhas informativas sobre a prevenção da Covid-19, mesmo com a disponibilização gratuita do material via Ministério da Saúde, depois de contratarem uma gráfica “fantasma” pelos valores de R$15.000,00 e R$279.000,00, respectivamente, utilizando recursos do Fundo Nacional de Saúde, fraude que culminou em uma investigação da Polícia Federal e prisão cautelar dos envolvidos.
Outras modalidades de desvios de verbas ocorreram, também, em estados como Santa Catarina, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Pará, Roraima, Amazonas, ocasionando inclusive prisões de gestores do alto escalão de alguns dos governos.
Em relação ao Acre, não há notícias públicas de qualquer investigação de corrupção ligada à pandemia, mesmo o estado ocupando o antepenúltimo lugar (25º lugar em 21.05.2020) no ranking nacional de transparência em contratações públicas (https://transparenciainternacional.org.br/ranking/) e alguns membros do legislativo apresentarem elementos formais do provável superfaturamento na compra de alcóol em gel (prefeitura da capital) e de cestas básicas destinadas aos alunos da rede pública de ensino (governo estadual).
O quadro atual exige uma atuação firme dos órgãos de fiscalização e auditoria para com o executivo, mediante a utilização de ferramentas e estratégias de controle relacionadas à correta aplicação dos recursos públicos, com efeitos urgentes, para que possamos evitar mais mortes, que de algum forma são ocasionadas pelo “vírus” da corrupção. Não vai adiantar muita coisa apurar irregularidades públicas pós-pandemia.
A criação de forças-tarefas, incluindo membros dos ministérios públicos, das polícias judiciárias, das controladorias, dos tribunais de contas e órgãos congêneres, além da troca mútua de informações entre as instituições responsáveis pelas contratações públicas, são instrumentos indispensáveis durante a pandemia. Também é de suma importância que a própria sociedade acompanhe o roteiro dos gastos públicos na pandemia, exigindo total transparência, a fim de evitar outros atos abusivos, como a monopolização de fornecedores de bens e serviços.
Entendemos que a luta contra a corrupção somente se inicia com a fiscalização, da qual decorre as investigações e, posteriormente a punição para gestores, políticos e integrantes do setor privado que alimentam esse “vírus” tão mortífero quanto a Covid-19.
Não podemos compactuar com os criminosos que estão aproveitando a conjectura de calamidade pública e a fragilidade do acesso ao erário para enriquecer ilicitamente praticando atos de corrupção. É inadimissível aceitar que milhares de brasileiros e acreanos contaminados pelo novo coronavírus morram sufocados, solitários, enquanto alguns poucos, sem quaisquer escrúpulos, continuem a usufruir as vantagens adquiridas indevidamente sem saborear o PESO DA JUSTIÇA!