Rio Branco desponta como a cidade mais violenta para mulheres no Acre em 2025. Até o dia 27 de setembro, o Estado já soma nove casos de feminicídio consumado, número que ultrapassa o total registrado em todo o ano de 2024. Sozinha, a capital concentra 33,3% das ocorrências, seguida por Tarauacá com 22,2%, enquanto Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima, Capixaba e Senador Guiomard aparecem com 11,1% cada.
O caso mais recente chocou a população acreana: Ionara da Silva Nazaré, 29 anos, foi assassinada a tiros dentro da própria casa, no bairro Mocinha Magalhães, em Rio Branco. O acusado é o marido dela, Reginaldo de Freitas Rodrigues, 56 anos, segundo tenente aposentado da Polícia Militar.

Para o promotor de Justiça Carlos Pescador, do Ministério Público do Acre (MPAC), a elevação dos registros está relacionada também à mudança na forma de classificação desses delitos.
“É importante que a sociedade tenha em mente que esse grande número também que a gente tem observado é por conta de uma melhor classificação desses crimes. Antes, muitas ocorrências eram registradas como lesões corporais e hoje passam a ser tratadas como tentativas de feminicídio. Houve uma mudança na lei recentemente para aumentar a pena, o que levou operadores do direito a estarem mais atentos”, explicou.
Ele reforça que os feminicídios têm características específicas:
“São crimes que na maioria das vezes acontecem dentro de casa e sabemos quem é o autor. Muitas vezes o acusado tenta justificar com ciúmes ou suposta traição, mas, na realidade, tratam-se de crimes premeditados e decorrentes de uma vida inteira de violência”, afirmou Pescador.

Em 2025, a Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015) completou dez anos de vigência no Brasil. A legislação incluiu o feminicídio no Código Penal como circunstância qualificadora do homicídio, tornando-o crime hediondo e ampliando as penas.
No Acre, o impacto da lei pode ser medido em números: entre 2015 e 2025, foram registrados 117 feminicídios no estado, segundo dados do Feminicidômetro do Ministério Público do Acre e da Polícia Civil.
Perfil das vítimas e proteção
A faixa etária mais atingida está entre 20 e 34 anos, com destaque para jovens de 20 a 25. Há registros inclusive de meninas de apenas 10 a 14 anos.
A advogada e conselheira de honra do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDIM), Tatiana Martins, aponta que os casos escancaram falhas na rede de proteção.
“É muito triste ver que a maioria acontece em Rio Branco. Isso demonstra uma ineficiência na proteção à mulher. Uma das vítimas de Cruzeiro do Sul tinha medida protetiva, mas a maioria não tinha. Ainda assim, os dados mostram que as medidas protetivas salvam vidas, porque quem as obtém tem menos chance de ser morta”, disse.

Ela acrescenta que 90% dos agressores que participam de grupos reflexivos não voltam a cometer crimes, um indicativo de que a reeducação pode ser eficaz.
“Infelizmente muitos agressores não se veem como tal. Mas, ao participarem dos grupos, passam a refletir e isso reduz a reincidência. É um dado importantíssimo”, destacou.
Apesar dos esforços, especialistas apontam que a raiz do problema é cultural.
“O maior problema é cultural mesmo. A violência contra a mulher ainda é aceita e naturalizada, até entre os mais jovens. E é terrível para nós trabalharmos apenas no final, quando a mulher já morreu, muitas vezes diante dos filhos. A mudança só virá com a união da sociedade e de todos os poderes públicos”, enfatizou o promotor Carlos Pescador.
Entre os números alarmantes, há também sinais de resistência: cada vez mais mulheres têm denunciado agressões antes que os casos cheguem ao desfecho trágico. Ainda assim, o desafio permanece em romper o ciclo de violência e enfrentar uma realidade que insiste em se repetir no Acre.

Canais de ajuda
Para combater a violência de gênero, é essencial que mulheres tenham acesso a redes de apoio e proteção. O acolhimento da vítima é essencial para romper o ciclo de violência e desvincular-se do agressor. É fundamental contar com uma rede de suporte, que pode incluir familiares e amigos, além de serviços especializados que oferecem assistência jurídica e psicológica.
As vítimas podem procurar a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) pelo telefone (68) 3221-4799 ou a delegacia mais próxima.
Também podem entrar em contato com a Central de Atendimento à Mulher, pelo Disque 180, ou com a Polícia Militar do Acre (PM-AC), pelo 190.
Outras opções incluem o Centro de Atendimento à Vítima (CAV), no telefone (68) 99993-4701, a Secretaria de Estado da Mulher (Semulher), pelo número (68) 99605-0657, e a Casa Rosa Mulher, no (68) 3221-0826.
Com informações adicionais do repórter Marilson Maia
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