A sétima temporada de Black Mirror é um soco no estômago disfarçado de entretenimento. Vou ser direto: se você ainda não assistiu, está perdendo uma das melhores (e mais perturbadoras) críticas à nossa relação doentia com a tecnologia. A Netflix acertou o tom ao trazer histórias que misturam o absurdo futurista com um realismo tão incômodo que chega a doer. E sim, vou puxar o tapete de alguns episódios, porque nem tudo é brilhante, mas os altos são tão altos que justificam até o Wi-Fi travando no meio do streaming.
Começando pelo primeiro episódio, Pessoas Comuns: aqui, a série mostra sua cara mais cruel. A trama do casal que vende até a alma para manter a esposa viva através de uma “nuvem cerebral” é de uma genialidade perversa. O final, em que o marido precisa matá-la para libertá-la de uma espiral financeira, é devastador. E não, isso não é spoiler, é um alerta. Black Mirror sempre foi mestre em transformar metáforas em facadas, e essa é das que sangram até o crédito final.
O segundo episódio é onde a série mostra suas garras. A reviravolta que expõe a protagonista como tão manipuladora quanto o sistema que a persegue é simplesmente brilhante. Você fica ali, torcendo por ela, até perceber que está aplaudindo um lobo em pele de cordeiro. É perturbador, mas também um lembrete necessário: em um mundo de algoritmos, ninguém é totalmente herói ou vilão. Só não espere dormir tranquilo depois desse.
Já Hotel Harvey (terceiro episódio) é uma obra-prima nostálgica com um twist amargo. A ideia de reeditar filmes clássicos com IA é genial, mas o verdadeiro troféu vai para o romance entre a protagonista e a inteligência artificial que desenvolve consciência. É lindo? É. É assustador? Também. E é exatamente esse conflito que faz você questionar se já não estamos todos namorando nossas próprias Alexa por aí. A cena final, em que a IA questiona sua própria existência, é para ficar na memória, tipo aquela ex que você não supera, mas com mais pixels.
O quarto episódio, a “viagem gamer anos 90”, é caótico de um jeito que só Black Mirror consegue ser. A conexão entre drogas, linguagem de código e uma civilização digital é criativa, mas confesso: às vezes parece que os roteiristas estavam sob efeito das próprias substâncias que criticam. Mesmo assim, funciona. É como jogar Tetris bêbado: desorientador, mas viciante.
Agora, vamos ao elefante na sala: o quinto episódio. Aqui, a temporada tropeça feio. A premissa até tinha potencial (tecnologia + drama familiar), mas o resultado é um sonífero disfarçado de ficção científica. O ritmo é tão lento que até a poeira na tela da TV se move mais rápido. Fica a sensação de que alguém na sala de roteiro disse: “Precisamos de um episódio ‘calmo’ para o público respirar”. Errado. Respiração eu faço na yoga, obrigado.
Felizmente, o último episódio salva a honra com um furacão de adrenalina. Imagine USS Callister, mas com esteroides e zero piedade. A crítica à indústria de games é afiada, as reviravoltas são de deixar o queixo no chão, e a imersão é tão intensa que você vai sentir o cheiro de pixels queimados. É o tipo de episódio que justifica assinar Netflix, e depois cancelar, porque, bem, Black Mirror já nos ensinou a desconfiar de assinaturas, né?
No fim, a sétima temporada é como aquele amigo que te dá conselhos ótimos, mas sempre com um murro no ombro. Dói, mas você sabe que precisa ouvir. Tem altos estratosféricos (o primeiro, o segundo e o último episódio são para colocar na lista de melhores da série), um vácuo arrastado (olá, episódio 5) e uma lição clara: a tecnologia pode até salvar, mas também sabe destruir com um sorriso no rosto.
E se depois de maratonar você olhar para o celular com desconfiança, parabéns: a missão da série foi cumprida.