A Controladoria-Geral da União (CGU) investiga o suposto desvio de R$ 1,9 milhão de recursos federais destinados ao combate à dengue no Acre, provenientes de uma emenda parlamentar no valor de R$ 6,3 milhões. O montante deveria ser utilizado na capacitação de professores e alunos em dez municípios acreanos para reforçar o enfrentamento ao mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença.
Segundo o relatório da CGU, parte do dinheiro foi paga sem a execução dos serviços e outra parcela teria sido utilizada com valores superfaturados, o que gerou prejuízo direto aos cofres públicos. Somente com pagamentos indevidos e sobrepreço, a perda já identificada chega a R$ 1.946.000, o equivalente a cerca de 30% do valor da emenda.
O repasse foi feito em 2023 por meio de emenda parlamentar da então deputada Jessica Salles. A execução do convênio ficou sob responsabilidade do Instituto Sapiens, com sede em Brasília, que teria firmado acordo com o Ministério da Saúde para realizar cursos de capacitação em municípios do Acre.
Capacitações não realizadas e dados inflados
De acordo com a CGU, o Instituto informou ter capacitado 646 professores, mas apenas 451 puderam ser confirmados. Além disso, dos R$ 135 mil pagos para contratação de instrutores, R$ 116 mil teriam sido desviados.
O relatório também aponta inconsistências na realização dos cursos: enquanto o Instituto declarou a execução de 27 turmas com dois dias de duração, a CGU constatou que apenas 15 turmas teriam ocorrido, e com carga horária reduzida a meio turno.
Outro ponto identificado foi o gasto com coffee break: com o aumento artificial no número de participantes, o Instituto teria justificado uma despesa indevida, gerando prejuízo de aproximadamente R$ 155 mil.
Locações e contratos sob suspeita
A CGU também levantou suspeitas sobre gastos com infraestrutura. O Instituto declarou ter investido R$ 188 mil na locação de imóveis, mas o relatório aponta que, em ao menos 70% dos municípios, os espaços foram cedidos gratuitamente. Com isso, cerca de R$ 146 mil teriam sido pagos sem necessidade real.
Ainda de acordo com o documento, houve superfaturamento na locação de equipamentos multimídia, estimado em R$ 96 mil, além de R$ 8 mil gastos na impressão de crachás que nunca existiram.
Outro indício grave é o de direcionamento de contratos: empresas de um mesmo núcleo familiar participaram de licitações, a coordenadora do projeto teria parentesco com o tesoureiro do Instituto e uma empresa de comunicação foi contratada mesmo apresentando valor 93% mais alto que a concorrente mais barata.
Relatório encaminhado ao STF
A investigação teve início após solicitação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, que determinou uma auditoria rigorosa nos repasses feitos por meio das chamadas emendas PIX. O relatório da CGU foi enviado ao STF e está em análise.
Segundo o superintendente da CGU no Acre, Osmar Nilo, outras medidas poderão ser adotadas:
“Esse relatório foi encaminhado e está nos autos do processo. O ministro vai adotar as providências cabíveis, seja para apuração do prejuízo, instauração de tomada de contas especial ou outras medidas que entender necessárias.”
Há ainda menção a um segundo relatório, que não foi tornado público, e que indicaria possível participação de agentes políticos na composição da direção do Instituto que venceu a licitação.
Dengue avança no estado
Enquanto a verba destinada ao combate era alvo de irregularidades, o Acre enfrenta uma situação crítica de saúde pública. Em 2025, o estado registrou mais de 8,5 mil casos prováveis de dengue, aumento de 88% em relação ao mesmo período do ano anterior. Quatro mortes já foram confirmadas.
Somente em Rio Branco, foram mais de 3,4 mil casos positivos. A capital está em situação de emergência por causa das arboviroses.
Paralelamente, a Prefeitura investiu mais de R$ 5 milhões em kits do projeto Aedes do Bem, que utilizam mosquitos geneticamente modificados para combater o vetor da dengue. Os kits venceram antes de serem utilizados. A Prefeitura atribui a perda ao vencimento do prazo e a empresa afirma que a responsabilidade pelo uso era da gestão municipal.
Com informações de Adailson Oliveira, para a TV Gazeta



