A Lei de Reserva de Vagas (Lei nº 14.723/2023¹ que atualizou a Lei nº 12.711/2012²) é uma importante política de ação afirmativa que visa a inclusão de grupos que foram historicamente marginalizados, de modo a possibilitar uma igualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior através do ingresso nas universidades federais e nas institutos federais, espaços estes anteriormente negados a estes grupos.
A lei em questão versa que 50% das vagas dos institutos e universidades federais sejam destinadas a estudantes que tenham cursado integralmente o ensino fundamental em escola pública, havendo nesta cota as subcotas para discentes negros (pretos e pardos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica – IBGE e o Estatuto de Igualdade Racial), indígenas, quilombolas e para pessoas com deficiência.
Esse dispositivo legal é uma resposta às reivindicações do Movimento Negro e outros movimentos sociais, e contribui substancialmente na diminuição de desigualdades raciais e sociais, uma vez que a partir de sua concretização nota-se um aumento considerável de estudantes negros, pessoas com deficiência e de baixa renda nas unidades educativas de ensino superior no Brasil.
Sistema de Cotas, de acordo com a Lei nº 14.723, de 13 de Novembro de 2023 que atualizou a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012

Tratando especificamente das sub-cotas raciais, destinadas para atender a população negra, desde 2012, sendo esta população composta por pessoas pretas e pardas, conforme exposto anteriormente, mostrou-se necessário haver critérios para verificação das condições de acesso à política.
Inicialmente, adotou-se autodeclaração como mecanismo “suficiente” para a garantia do mencionado acesso. Porém, em detrimento do mito da democracia racial, que pressupõe um país harmoniosamente miscigenado, cujo o sangue negro e indígena corre orgulhosamente nas veias de todos os brasileiros, pessoas notoriamente brancas, sem a combinação de traços negróides visíveis (cor da pele, a textura do cabelo e traços faciais) passaram a se valer da política pública deliberadamente, sendo, portanto, necessários procedimentos complementares à autodeclaração, evitando a usurpação e fraudes de um direito adquirido pela luta da população negra e indígena, neste contexto.
Posto às deliberadas fraudes e usurpações à Lei de Reserva de Vagas citadas anteriormemnte, são estabelecidas as Comissões de Heteroidentificação, a partir de intensas reivindicações do Movimento Negro. Na Universidade Federal do Acre a Comissão Permanente de Heteroidentificação tem atuado desde o ano de 2022, criada a partir da Resolução CONSU nº 51, de 23 de Setembro de 2021 e a Resolução CONSU nº 92, de 26 de Julho de 2022, recentemente alteradas pela Resolução CONSU nº 131, de 28 de Junho de 2023, as quais regulamentam procedimentos de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos na modalidade de cotas raciais dos processos seletivos para ingresso nos cursos de graduação.
A Comissão Permanente de Heteroidentificação ufaquiana é composta por representantes discentes, docentes e técnicos da instituição, bem como de membros do Movimento Negro e Indígena, devidamente qualificados para esta função através de formações anualmente ofertadas pelo Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da Universidade Federal do Acre (Neabi/Ufac).³
Durante os processos seletivos de ingresso nos Cursos de Graduação da Ufac, por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), são organizadas bancas de heteroidentificação suficientes para atender a demanda, sendo estas “compostas por, no mínimo, 3 (três) e, no máximo, 5 (cinco) membros, respeitando a heterogeneidade étnico-racial e de gênero”, onde estes membros deliberam “por maioria simples, quanto à confirmação da autodeclaração” do candidato³.
O critério para análise da população negra é exclusivamente o fenótipo, considerando a combinação de traços negróides visíveis que “possibilitam, nas relações sociais, o reconhecimento do indivíduo como preto ou pardo”³. É importante pontuar que não são considerados graus de parentesco com pessoas negras para a validação da autodeclaração, ponto ainda muito utilizado como justificativa para tal, dado ao mito da democracia racial que já mencionei aqui.
Em relação a população indígena, a validação da autodeclaração se dá pela apresentação de declaração original da comunidade ou de associação indígena assinada pela liderança na qual se atesta o reconhecimento de pertencimento étnico-indígena; Histórico Escolar que certifique que o candidato estudou em escola indígena e/ou memorial.³
Caso haja o indeferimento, o candidato tem garantida a observância do contraditório e da ampla defesa, podendo recorrer à Comissão Recursal de Heteroidentificação, “composta por 3 (três) integrantes, distintos dos membros da Comissão de Heteroidentificação que emitiu o Parecer de Invalidação”³, que elaborará um novo parecer. Caso o indeferimento persista, o candidato poderá recorrer ao Conselho Universitário – CONSU, que terá poder somente de julgar se os procedimentos foram feitos corretamente, mas jamais o mérito do parecer.
Em síntese, o processo de Heteroidentificação na Universidade Federal do Acre é de suma importância na manutenção da garantia da efetividade das políticas de ações afirmativas para população negra e indígena, sendo um importante instrumento de combate às fraudes às cotas raciais, promovendo justiça social ao fiscalizar e assegurar o acesso à política pública ao sujeito dela – aquele que, pode passar por situações reais de racismo, sendo esse crime ligado, sobretudo, à pertença étnico-racial. Desse modo, esta comissão assume caráter indispensável na efetivação da democracia na Ufac, uma vez que se garante uma presença ostensiva da população negra e indígena em ambiente universitário, espaço anteriormente negado a essas populações marginalizadas, expressando aqui a importância de dispositivos legais como a Lei de Reserva de Vagas aqui em pauta.
[1] BRASIL. Lei nº 14.723, de 13 de novembro de 2023. Altera a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, para dispor sobre o programa especial para o acesso às instituições federais de educação superior e de ensino técnico de nível médio de estudantes pretos, pardos, indígenas e quilombolas e de pessoas com deficiência, bem como daqueles que tenham cursado integralmente o ensino médio ou fundamental em escola pública. Disponível em: https://planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Lei/L14723.htm Acesso em: 13 ago. 2024.
[2] BRASIL. Lei nº. 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Disponível em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm Acesso em: 13 ago. 2014.
[3] Conselho Universitário. Resolução CONSU nº 131, de 28 de Junho de 2023. Altera a Resolução CONSU nº 51, de 23 de setembro de 2021, e a Resolução CONSU nº 92, de 26 de julho de 2022, as quais regulamentam procedimentos de complementar à heteroidentificação autodeclaração candidatos na modalidade de cotas raciais. Rio Branco, Acre: Universidade Federal do Acre, 2023
Geovanna Moraes de Almeida: Licenciada em História (2022) e graduanda de Bacharelado em História, ambos pela Universidade Federal do Acre. Membra do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da Universidade Federal do Acre (Neabi/Ufac). Aluna de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagem e Identidade da Universidade Federal do Acre (PPGLI/Ufac) e representante discente na Comissão Permanente de Heteroidentificação da Universidade Federal do Acre.