Além disso, ela é coordenadora do Movimento de Mulheres Negras do Acre
Maria, Maria é um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece viver e amar
Como outra qualquer do planeta
Mas é preciso ter força, é preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria mistura a dor e a alegria
A música é cantada na voz do compositor e um dos principais artistas da música popular brasileira, conhecido como Milton Nascimento. A canção mostra a força de uma mulher que luta diariamente, com raça e muitos sonhos a serem realizados. Almerinda Cunha é uma dessas mulheres, apesar de não ser acreana, carrega o amor pelo estado como se fosse, até porque chegou aqui aos 15 anos de idade – são quase 50 anos de muitas conquistas e histórias para compartilhar.
Almerinda da Cunha nasceu em Porto Velho, localizado no estado de Rondônia, mas foi no Acre que construiu um legado. A porto-velhense se formou pela Universidade Federal do Acre (Ufac) em Pedagogia, com especialização em Administração Escolar e Supervisão Escolar. Além disso, ela também tem um uma pós-graduação de Metodologia no Ensino Superior, e um curso na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), que a tornou especialista em Política de Gênero e Raça.
A pedagoga iniciou na década de 80 e seguiu por muitos anos representante da Associação de Professores do Acre (Aspac) e Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Acre (Sinteac). Segundo ela, a luta era com base principalmente nos salários indignos dos professores. Pois os mestres ganhavam menos que as merendeiras.
“A luta era pela paridade, isonomia salarial dos professores com outros funcionários de nível superior. Após nove ano de carreata e passeata, nós conquistamos. Outra grande conquista também foi o Plano de Carreira e Remuneração da educação e depois o do conjunto do funcionalismo público. Nós tivemos muitas conquistas nas condições de trabalho, merenda escolar e capacitação dos professores”, relembra a Cunha.
Associação de Mulheres Negras do Acre
As lutas não eram apenas nas condições melhores de trabalhos para os professores, mas em outras áreas também. Além de estar na Aspac e no Sinteac, ela também fazia parte do Movimento Feminista do Acre, que era apoiado por essas instituições.
A pedagoga relembra que eram feitas passeatas e manifestações quando mulheres eram mortas. “Eu sempre acompanhei o movimento de mulheres. Mas, quando percebi que o movimento de mulheres não consultava políticas específicas para as mulheres negras, começou a nascer dentro de mim e de outras pessoas a vontade de criar a Associação de Mulheres Negras do Acre, que veio para preencher uma lacuna que era da ausência das nossas pautas de reivindicações específica das mulheres negras que não eram contempladas pelas feministas brancas”, afirma.

Como coordenadora da Associação de Mulheres Negras do Acre, ela afirma que as mulheres presentes nesta aliança lutam de forma contínua, fazendo jornada de formação em gênero e raça. “Tentando sensibilizar a sociedade acreana para necessidade de construir novas relações étnico-raciais e de gênero. Em que todos sejam respeitados na sua identidade racial e todas mulheres também tenham direito a equidade de gênero. E assim, sejam construídas novas relações”, explica a professora.

Motivações, lutas e desafios
Quando se decide caminhar no combate contra o racismo, machismo, feminicídio e na luta pela equidade de gênero, não é uma trajetória fácil, principalmente em um país que carrega consigo tantos problemas sociais em temas como esses.
“Ser negro no Brasil e no Acre, é a mesma coisa. Ser negro num país racista, é desumano, cruel e excludente. Existe uma negação do pertencimento étnico racial da população negra. São poucas pessoas que assumem e que tenha orgulho da sua negritude. Porque infelizmente, a educação conduziu a nomenclatura de negro a coisa ruim”, salienta a professora.

Para Almerinda Cunha, ser negro no Brasil é um desafio diário, mas a situação pode se tornar ainda pior para as mulheres. “O Acre é campeão de feminicídio do Brasil, além disso, 86% das vítimas são mulheres negras. Parece que a sombra da morte persegue as mulheres negras”, observa.
Apesar dos grandes espinhos que existem pelo caminho, as motivações para essas causas se tornam maiores. Segundo a pedagoga, a sua principal força para seguir em buscas de mais direitos – é quando o assunto é relacionado as mulheres que são mortas devido à falta de políticas públicas de saúde da população negra. Muitas dessas não têm acesso sequer ao Bolsa Família, pois não possuem os documentos necessários.

“Quantas mulheres são excluídas e marginalizadas da sociedade, não por serem bandidas, mas por ignorância, por serem analfabetos, por não possuírem documentação. Então, a realidade triste dessas mulheres sendo violentadas, estupradas, crianças sendo estupradas, abusadas sexualmente. Isso me revolta, isso me faz continuar na luta, por meio da educação, orientando, informando sobre os direitos, mostrando o marco regulatório. Dessa forma, como professora me sinto na obrigação de orientar, esclarecer e sensibilizar”, acrescenta.

Por fim, um dos maiores desafios segundo a professora, é a desinformação. Apesar de se vivenciar um mundo tão repleto de notícias, jornais, internet…. Ainda assim, é possível ver mulheres desconhecendo o significado das palavras misoginia, feminicídio, direitos ou até mesmo não saber identificar uma violência física ou verbal.
“A desinformação, a ignorância dos seus direitos e a ignorância de como buscar os seus direitos, é o maior empecilho que a gente tem. E o outro tão grande quanto esse é o patriarcado, o poderio do macho, do homem que quer dominar todas as mulheres. Então esse é um dos maiores desafios que a gente tem para chegar na equidade de gênero”, finaliza Almerinda Cunha.