“Bandido bom é bandido morto”. Foi um mantra de Bolsonaro durante quase toda sua vida. Quase… São sobejamente conhecidos seus elogios à truculência policial e ao sistema penitenciário brasileiro. Para ele, é o que gente bandida merece. Tudo levando a crer tratar-se de um homem implacável contra os criminosos de toda ordem. Macheza além da média – parecia.
Já na sua jornada para a presidência, fez de tudo para se dissociar do centrão, grupo suprapartidário que é sinônimo de corrupção da política brasileira e ao qual ele esteve ligado uma vida toda. Em atos cênicos e cínicos, cuspiu no prato em que por tantos anos comeu. Todos lembramos do general Heleno cantando: “Se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão”.
Aparentemente avançando nessa direção, abraçou o lava-jatismo quando este tinha alguma respeitabilidade. Tendo conquistando a presidência, levou Sérgio Mouro para seu governo, dando a ele o cargo de ministro da justiça. “Contra tudo o que está aí”. Juntos, prometiam combate sem trégua à corrupção. Também nesse campo, tudo levando a crer tratar-se de um homem implacável – ladeado por outro justiceiro, também de macheza além da média, parecia – contra os corruptos de toda ordem.
À luz dos últimos acontecimentos, o que ainda se mantém disso que, para alguns, representou grande esperança?
Creio que duas PECs siamesas propostas recentemente dão uma boa medida disso: a da anistia e a da bandidagem. Antes, porém, convém recuar um pouco.
Como sabemos, rasgando a fantasia, Bolsonaro voltou aos braços do centrão. De volta entre os seus, valeu-se escandalosamente da máquina pública para se reeleger. E, apesar de tudo, não obteve êxito. Segundo algumas cifras, o montante teria chegado a mais de 300 BILHÕES. E pouco importa se, lançando mão do orçamento secreto, ele deu verniz legal a essa prática. O fundamental é que ele usou dinheiro público, não para ajudar a população, mas para assegurar sua reeleição.
Isso configura desvio de finalidade no uso dos recursos públicos, o que, em outras palavras, significa corrupção. Nunca na história desse país… A campanha mais cara de toda nossa história… Mesmo assim, malogrou em seus intentos, sendo o único presidente que, desde a redemocratização, não conseguiu se reeleger.
Paralelamente, sabemos, corriam as tentativas de golpe. O uso da PRF, para impedir que os eleitores de Lula votassem. O conluio com setores da PF e do Exército, as mentiras deslavadas, para descredibilizar as urnas e a justiça eleitoral etc.
Frustradas, enfim, as tentativas criminosas de se manter no poder, Bolsonaro e alguns de seus consortes se tornaram réus. E agora, numa drástica mudança de retórica, abandonaram o mantra “Bandido bom é bandido morto”. De ferrenhos defensores da ditadura e de torturadores, passaram a manifestar preocupações com os direitos humanos e com as precárias condições das prisões brasileiras.
Agora, Bolsonaro chora de sim e dia também… uma lamúria só… Sua macheza, aparentemente além da média, sempre afetada em tons estridentes e gestos cênicos, evaporou. Não resta sequer lembrança do histórico de atleta. Mimimi de manhã, mimimi de tarde, mimimi de noite…
Longe se vai o tempo em que se regozijavam com a frase “Direitos humanos é o esterco da vagabundagem”. Tendo sido condenado, Bolsonaro trava uma batalha pela aprovação de uma anistia. Todavia, sem força suficiente para aprovar algo nessa direção só com os mais radicais, uniu-se ao centrão para aprovar conjuntamente a PEC da anistia e a da bandidagem. A fim de salvar a pele do chefe da organização criminosa golpista (o próprio Bolsonaro), o bolsonarismo abraçou sem reservas uma proposta que blindava, de investigação e processo, todos os políticos corruptos.
Era o céu para o bandidismo político. A PEC da bandidagem protegeria os políticos vinculados ao crime organizado e, também, fazia do parlamento (das câmaras de vereadores ao Senado) um espaço atrativo para os criminosos de toda sorte, porque um espaço protetivo, no qual eles ficariam inalcançáveis pela justiça.
Não se pode dizer, vejam bem, que o bolsonarismo mudou da água para o vinho. Tenhamos respeito pelo vinho, por favor. Por baixo da fantasia, agora rota, o bolsonarismo sempre foi isso. Sua relação com o crime organizado é de longa data. Quem não lembra dos elogios que Bolsonaro fez às milícias? Quem não lembra da relação de Flávio Bolsonaro com milicianos e com o líder do “escritório do crime”?
O golpismo é, assim, apenas um dos muitos pontos de intersecção do bolsonarismo – e de seu chefe – com o crime. Saibam disso ou não, aqueles que no último domingo (21/09/25) saíram às ruas contra as PECs da anistia e da bandidagem moviam guerra contra criminosos das mais diversas ordens. Vê-se, por esse ângulo, quão importante é a luta pela democracia nessa quadra histórica.
Só posso exultar por ver que, depois de um grande hiato, a democracia volta às ruas e às praças. E voltou como há muito não se via. Vigorosa, colorida, orgulhosa de si, com seus cânticos, seus artistas.
Entendendo o recado, o Congresso recuou. Isso mostra que não podemos deixar essa importante trincheira ser ocupada pelas forças golpistas que se atrelam, sem mais disfarce, ao crime organizado. Devemos vencer os golpistas e criminosos nas urnas, nas redes e nas ruas.
O povo, na rua; os criminosos, na cadeia!
Sem anistia para golpista!




