Por Joely Coelho Santiago
“Por que julho das pretas?”. Bom, devolvo tal questionamento com a seguinte reflexão-pergunta: “quantas ou quais mulheres negras você já ouviu falar?, mulheres negras em espaços sociais, políticos e acadêmicos, ocupando vagas de emprego, lugares de poder e/ou liderança?”. Mulheres negras foram e são silenciadas-soterradas todos os dias por grupos hegemônicos, apesar delas estarem nos variados espaços resistentes-resilientes-ativas nas tramas de costuras e negociações contra racismo e o patriarcado de cada dia, passando o bastão às gerações mais jovens, afinal a luta da mulher negra é antiga, é árdua, é diária, sem espaço para trégua (Davis, 2016) – com tempo apenas para tomar um suspiro de fôlego e lembrar-se de onde veio e das suas, aquelas que foram abrindo caminhos e varadouros oportunizando-as estar em variados espaços.
Mulheres que carregaram e carregam consigo crianças pequenas e de colo, iluminadas por constelações-relampejos-saberes ao mesmo tempo em que faziam e fazem valer sob forças e lutas pela democracia, contra tentáculos conservadores do capitalismo, do racismo e do patriarcado.
Logo, o “Julho das Pretas” é um evento com objetivo para celebrar e homenagear a luta e a resistência das mulheres negras no Brasil, com foco no dia 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, e também o Dia Nacional de Tereza de Benguela[1], líder quilombola, símbolo de luta e resistência, promulgado pela Lei nº 12.987 de 2 de junho de 2014[2]. Tereza de Benguela nasceu no século 18, contudo as fontes para fins historiográficos não dão certeza se ela nasceu em algum quilombo no Brasil ou em África, entretanto é fato que Tereza comandou por duas décadas, após a morte do líder e seu marido José Piolho, o quilombo Quariterê, localizado na região do Vale do Guaporé, em Vila Bela da Santíssima Trindade, no que hoje é o estado do Mato Grosso. Nesta perspectiva, nos resta pensar o motivo de não sabermos a respeito do local de nascimento de uma importante mulher, negra, líder, quilombola, afinal, “racismo não existe”.
Racismo não só existe como opera das/nas variadas formas de maneira sútil, velada e/ou escancarada latejando uma ferida que custa cicatrizar ou nunca cicatriza (Kilomba, 2019). Então, há de se pensar a respeito da uma luta ancestral, ao mesmo tempo, em uma desmistificação sobre vidas que não iniciaram nos porões de navios e terminaram na senzala. Quando questionados sobre “por que estudar a história da África e do negro no Brasil de hoje?” (Munanga, 2015), objetivamos contrapor uma história dita como única, eurocêntrica contada por “grandes homens” que não levaram em consideração culturas e histórias africanas, afro-brasileiras e indígenas. Tais reflexões mostram diversos (contra)pontos para discussões como racismo, discriminação racial, desigualdade racial, gênero, intolerância religiosa e questões quilombolas. Reflexões estas as quais cooperam para a oportunidade de: “[…] superar a nossa ignorância sobre o racismo e seus efeitos nefastos, como também a reconhecer o protagonismo das negras e dos negros, que representam 53% da população que vive e constrói o nosso país” (Gomes, 2017, p. 19), sobretudo no que estabelecem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana[3]. Então, fica aqui como sugestão ao público leitor um convite para mergulhar em caminhos-varadouros outros; águas-outras a fim de conhecer e valorizar narrativas sobre mulheres negras a partir de intelectuais que se debruçaram sobre a temática rompendo a “história única” (Adichie, 2019).
Portanto, um dia, um mês dedicado para reconhecer e homenagear a existência-luta, luta-existência da mulher negra é um grande avanço conquistado com muito suor e sangue, é estremecer estruturas cimentadas, é garimpar sob-entre rochas e pedregulhos equilibrando em trilhas-vulcões pés carregados-leves guiados por faróis que, ainda enfraquecidos, não param de brilhar-alumiar. Destarte, apesar da escassez de registros sobre mulheres negras como a líder do quilombo Quariterê, considerando o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, e também o Dia Nacional de Tereza de Benguela, nos espaços sociais, políticos e acadêmicos é fato que elas (as mulheres negras) existem e reexistem puxando umas às outras, ora copas ora sementes em conta-gotas de esperanças, lutas e forças. Vivas-Terezas ontem-hoje-amanhã!
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019
BRASIL. Lei nº 12.987, de 2 de junho de 2014. Dispõe sobre a criação do Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2014/lei-12987-2-junho-2014-778851-publicacaooriginal-144294-pl.html . Acesso em: 10 de jul de 2025.
BRASIL. Projeto de Lei do Senado nº 23, de 2009. Dispõe sobre a criação do “Dia Nacional da Mulher Negra” e dá outras providências. Senado Federal. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=3682913&ts=1593920434904&disposition=inlinee Acesso em: 10 de jul de 2025
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução nº 1, de 17 de junho 2004 Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. MEC, 2004.
GOMES, Nilma Lino. O Movimento Negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis, RJ, 2017.
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2016.
KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: Episódios de Racismo Cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
MUNANGA, Kabengele. Por que ensinar a história da África e do negro no Brasil de hoje? Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rieb/a/WxGPWdcytJgSnNKJQ7dMVGz/?format=pdf&lang Acesso em: 10 de jul de 2025.
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Quilombola de Pedras Negras, no Vale do Guaporé-RO. Doutoranda em Letras: Linguagem e Identidade (PPGLI/Ufac). Mestrado em História e Estudos Culturais (Unir, 2019). Licenciatura em Letras e suas respectivas Literaturas (Unir, 2016). Licenciatura em História (Faveni, 2022). Membra no Grupo de Estudo e Pesquisas Interdisciplinares Afro e Amazônicos (Gepiaa). Membra no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da Universidade Federal do Acre (Neabi/Ufac). Membra no Grupo de Estudos e Pesquisas Culturalidades e Historicidades Africanas e da Diáspora Negra (Chade). Membra na Associação Brasileira de Literatura Comparada (Abralic). Membra na Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as) (ABPN).




