Coluna escrita por Bruna Carolini Barbosa: docente na Universidade Federal do Acre (Ufac) e membra do Neabi-Ufac. É doutora em Estudos da Linguagem e pesquisadora dos Multiletramentos e Antirracismo no Ensino de Línguas.
“Mudar a forma como vemos as imagens é certamente uma maneira de mudar o mundo.” (bell hooks)
O cinema é uma arte que influencia percepções e atitudes sociais. Desde o final do século XIX, ele tem contado histórias, refletido culturas e moldado opiniões públicas. O racismo, uma questão social persistente, tem sido tanto perpetuado quanto combatido pelo cinema. Este texto analisa como o cinema tem contribuído para a luta contra o racismo, com exemplos históricos e contemporâneos.
Em “Cinema vivido: raça, classe e sexo nas telas” – publicado originalmente em 1996 e traduzido para o português em 2019 por Stephanie Borges – bell hooks explora como o cinema reflete e molda as dinâmicas de poder e opressão em torno da raça, classe e gênero. Através de uma análise crítica e profunda, hooks desmonta as representações culturais que perpetuam estereótipos e desigualdades, ao mesmo tempo em que destaca o potencial do cinema como ferramenta de resistência e transformação social. A autora lança luz sobre uma questão que dialoga intimamente com cada um de nós, ao afirmar que “gostemos ou não, o cinema tem um papel pedagógico na vida das pessoas. Mesmo que um cineasta não tenha a intenção de ensinar algo ao público, não significa que não haja ali uma lição a ser aprendida” (hooks, 2019, p.17).
Historicamente, o cinema reforçou atitudes racistas. “O Nascimento de uma Nação” (1915), por exemplo, é criticado por sua representação racista dos afro-americanos e glorificação da Ku Klux Klan[1]. No Brasil, “O Guarani” (1996) perpetuou estereótipos ao romantizar a colonização e retratar os indígenas de forma submissa.
A partir da segunda metade do século XX, o cinema evoluiu como espaço de resistência. “No Calor da Noite” (1967), com Sidney Poitier, e “Xica da Silva” (1976), de Cacá Diegues, desafiaram as estruturas raciais existentes. Nos anos 1970, o movimento Blaxploitation deu visibilidade a cineastas e atores negros; apesar de algumas críticas por perpetuar certos estereótipos, esse movimento foi significativo por proporcionar maior visibilidade aos cineastas e atores negros e por explorar questões de racismo e opressão, filmes como “Shaft” (1971) e “Super Fly” (1972) exploraram esses temas. No Brasil, “Orfeu Negro” (1959) trouxe a cultura negra brasileira ao cenário internacional, embora com críticas à superficialidade das representações.
Apesar do progresso, o cinema ainda luta contra estereótipos raciais. Exemplos incluem “Um Tira da Pesada” (1984) e “Histórias Cruzadas” (2011), que perpetuam estereótipos como o “negro esperto e cômico” e a “mammy“, ao representar mulheres negras como serviçais devotadas e submissas, cuja principal função é cuidar dos brancos. No Brasil, “Cidade de Deus” (2002) foi criticado por reforçar estereótipos de jovens negros como criminosos.
O trope do “branco salvador” é outro estereótipo prejudicial. Filmes como “Histórias Cruzadas” e “Um Sonho Possível” (2009) centralizam personagens brancos como heróis, minimizando a agência das comunidades negras. No Brasil, “Quanto Vale ou é por Quilo?” (2005) critica a exploração moderna, mas ainda centraliza personagens brancos.
Filmes contemporâneos como “Mulher Rei” (2022) e “A Voz Suprema do Blues” (2020) são essenciais para a positividade das questões raciais no cinema. “Mulher Rei” celebra a força e liderança das mulheres negras, enquanto “A Voz Suprema do Blues” destaca a resistência dos artistas negros. No Brasil, “Medida Provisória” (2020) explora racismo e identidade em um futuro distópico, invertendo o trope do branco salvador.
Patricia Hill Collins, em “Pensamento Feminista Negro”, propõe a autodefinição como ferramenta para as mulheres negras reivindicarem suas identidades e tomarem o controle de suas próprias narrativas. Filmes como “A Voz Suprema do Blues” e “Mulher Rei” exemplificam a autodefinição, rejeitando estereótipos e permitindo que as histórias negras sejam contadas de forma autêntica.
“Ficção Americana”, filme indicado ao Oscar, critica estereótipos na indústria cinematográfica e literária, desafiando a tendência de reduzir histórias negras a narrativas de sofrimento ou exotismo. O filme celebra a individualidade e diversidade dentro da comunidade negra, subvertendo a ideia de que todas as histórias negras devem seguir um arco narrativo específico.
O cinema tem desempenhado papéis diversos na questão racial. Embora tenha perpetuado o racismo, ele pode servir como uma potencial ferramenta de resistência. É crucial apoiar cineastas que contam histórias que possam superar estereótipos persistentes. Filmes como “Mulher Rei”, “A Voz Suprema do Blues” e “Medida Provisória” exemplificam narrativas de autodefinição, celebrando a riqueza das experiências negras.
[1] A Ku Klux Klan (KKK) é uma organização supremacista branca que foi fundada nos Estados Unidos após a Guerra Civil Americana, em 1865. A Klan é conhecida por suas atividades violentas e terroristas, direcionadas principalmente contra afro-americanos, bem como contra judeus, católicos, imigrantes e outros grupos minoritários.
Referências:
COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.
HOOKS, bell. Cinema vivido: raça, classe e sexo nas telas. Tradução de Stephanie Borges. São Paulo: Elefante, 2019.
[1] A Ku Klux Klan (KKK) é uma organização supremacista branca que foi fundada nos Estados Unidos após a Guerra Civil Americana, em 1865. A Klan é conhecida por suas atividades violentas e terroristas, direcionadas principalmente contra afro-americanos, bem como contra judeus, católicos, imigrantes e outros grupos minoritários.