Foto: Valéria Santana/CPI-Acre
Olá, queridas(es)(os) leitores! Haskaramẽ ? (tudo bem?).
Hoje, vamos falar sobre algo muito especial: a educação escolar Huni Kuĩ e o protagonismo dos professores no processo de ensino-aprendizagem dos saberes-fazeres das escolas Huni Kuĩ no Acre.
Ao longo dos séculos, os Huni Kuĩ atravessaram um caminho marcado por rótulos que não refletiam suas ricas dimensões culturais e linguísticas. Durante muito tempo, eles foram chamados de “Kaxinawá” – termo pejorativo, porque traz uma ideia de povo da noite, morcego e carniceiros. Atualmente, eles se autodenominam como Huni Kuĩ (povo verdadeiro) em busca de quebrar com este termo pejorativo: “Kaxinawá”. Em meio às vastas florestas do Acre e Peru, este povo não apenas preservam uma rica herança cultural, mas também uma língua única e significativa: o Hãtxa Kuĩ, que significa “língua verdadeira”. Essa língua pertence à família linguística pano, e através dela, as comunidades aprenderam histórias, tradições e saberes transmitidos de geração em geração pelas bibliotecas-vivas (os mais velhos e velhas).
No Acre, os estudos linguísticos destacam três troncos: Pano, Arawá e Arawak. Segundo dados da Federação do Povo Huni Kuĩ do Estado do Acre (FEPHAC)[1], eles vivem em 12 Terras Indígenas (Tis), com aproximadamente 104 aldeias. No Estado do Acre, são aproximadamente 15.000 pessoas. As terras Huni Kuĩ estão localizadas em cinco municípios: Tarauacá, Jordão, Feijó, Marechal Thaumaturgo e Santa Rosa do Purus.
As invasões de suas terras por caucheiros peruanos e a exploração da borracha ameaçaram profundamente o modo de vida dos Huni Kuĩ. Em resposta, eles desenvolveram estratégias de territorialidade, reforçando os laços com a terra ancestral. Por meio da educação escolar Huni Kuĩ, pesca e uso consciente dos recursos naturais, os Huni Kuĩ não apenas garantiram sua subsistência, mas também reafirmaram a importância de sua conexão com o meio ambiente.
A Educação Escolar Huni Kuĩ foi tecida pela coletividade para trazer à tona formas outras de linguagens, pedagogias, filosofias em par com os desejos coletivos das terras Huni Kuĩ no Acre. É um fluxo educativo voltado para saberes-fazeres da jiboia, que representa um processo de comunicação entre homem-natureza-animais.
Imagem 1 – Oficina de etnozoneamento realizada na aldeia Nova Aliança – Acervo SEMA 2012
Fonte: Weber e Ochoa (2013)
Nas escolas Huni Kuĩ, que ganham vida pela visão da própria comunidade, desponta uma aurora de materiais didáticos meticulosamente elaborados, como podemos observar na imagem – Oficina de etnozoneamento realizada na aldeia Nova Aliança. Essas ferramentas, intrínsecas ao ambiente educativo, tornam-se testemunhos tangíveis do conhecimento. Elas traçam um caminho para os fluxos educacionais e linguísticos que alimentam a comunidade, proporcionando não apenas sabedoria para as mentes em busca de aprendizado, mas também servindo como fonte de nutrição para o solo fértil do ensino das culturas, onde raízes culturais se entrelaçam com as folhas do saberes-fazeres das comunidades.
No entanto, nas escolas Huni Kuĩ, a educação transcende a mera transmissão de informações. Essas instituições, nascidas da coletividade, assumem o papel de pilares que sustentam uma identidade em trânsito enraizada nas raízes ancestrais. Nesse palco de conhecimentos e reivindicações, entrecruzam-se pedagogias que ecoam o ritmo das tradições, infundindo o aprendizado com um protagonismo indígena (ALMEIDA, 2010, p. 50) dessas comunidades.
Contemplando o panorama das escolas Huni Kuĩ, também se avista um cruzamento de horizontes. As estruturas da educação nacional, que se expandem para além das fronteiras das aldeias, muitas vezes relegam a segundo plano os desejos e aspirações que brotam das teias culturais e geográficas características das comunidades Huni Kuĩ. A visão singular e plural que permeia o universo educacional dentro das aldeias frequentemente é obscurecida pelos ventos que sopram “fora das aldeias”, onde as particularidades da jornada educacional Huni Kuĩ podem se perder na uniformidade da educação convencional. Assim, a educação escolar Huni Kuĩ se assemelha a um intrincado mosaico, formado pelas pedras lapidadas do Hãtxa Kuĩ, pelas narrativas que atravessam gerações e pelos materiais didáticos que se entrelaçam com o conhecimento em um padrão distintivo. Ela é uma manifestação vibrante de identidades em trânsito e resistência, entrelaçando tradições e contemporaneidade em uma dança educativa que transcende fronteiras tradicionais e floresce sob o olhar atento do rastro da jiboia ancestral.
TEXTOS BASES:
Almeida, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2010. 168p.
HOA, Maria Luiza Pinedo; WEBER, Ingrid. História e Organização dos Huni Kuĩ do Alto Purus. Rio Branco: CPI/AC, 2013.
Autor:
Danilo Rodrigues do Nascimento
Doutorando e Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Letras: Linguagem e Identidade da Universidade Federal do Acre (PPGLI/Ufac). Bacharel em História e aperfeiçoado Uniafro: Política de Promoção de Igualdade Racial na Escola pela Ufac. Pesquisador do Laboratório de Interculturalidade (Labinter) e do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi/Ufac).
Federação do Povo Huni Kuĩ do Estado do Acre (FEPHAC). Disponível em: https://fephac.com.br/. Acesso em: 31. jul. 2023.