O mito está nu e sangrando em praça pública, nos meios de comunicação, nas redes sociais. Desde que saiu da presidência, Bolsonaro e o movimento que carrega seu nome têm sido expostos em toda sua pequenez moral, covardia, corrupção, perversão, autoritarismo, perigos.
Entre outras tantas, bastam duas referências em que tudo isso se apresenta de modo cabal. O plano para assassinar Lula, Alckmin e Alexandre Moraes. E a cena, pateticamente constrangedora, como só um pigmeu moral seria capaz de fazer, em que Bolsonaro pede a Moraes para que seja seu vice nas eleições de 2026. Que indignidade nauseante!
Não obstante o espetáculo aterrador e deprimente que vem protagonizando, o bolsonarismo segue vivo e isso deve preocupar qualquer um que guarde um mínimo de apreço pela democracia.
Os estudos que fiz sobre o bolsonarismo me levaram a definir sua práxis política como perpetuum golpismo. Tal definição permite-nos apreender o golpismo em seu caráter complexo e processual. Coloquemos as coisas em boa perspectiva.
Há quem diga que não houve tentativa de golpe porque o que ocorreu no 08/01 não tinha militares, armas e tanques. Sabemos que isso é mentira. Os “kids pretos” estavam envolvidos e nos planos golpistas constavam sequestros, prisões e até execuções. Além disso, havia gente armada nos acampamentos em frente aos quartéis. Gente, inclusive, disposta a detonar explosivos ao lado do aeroporto – o que não aconteceu por pouco.
Observando as coisas em seu conjunto, não podemos falar de apenas uma tentativa de golpe. Na verdade, foram várias tentativas de golpe. Umas sucedendo outras e, ainda, outras correndo em paralelo. Tentaram vencer as eleições impedindo que os eleitores de Lula chagassem a seus locais de votação. Fracassaram. Tentaram impedir a diplomação de Lula. Fracassaram. Tentaram o golpe de 08/01. Fracassaram.
Como se nota, foram várias e diversas as formas de golpe postas em andamento. E elas não ficaram no passado. Cedendo a um indômito animus golpista, recorreram a Trump a fim de livrar Bolsonaro da justa e certa condenação. Curvando-se servilmente a Trump, ameaçaram a democracia e o povo brasileiro com tarifaço, porta-aviões e bomba nuclear. Para livrar o chefe da organização criminosa golpista, não hesitam em sacrificar toda uma nação.
Depois de fracassar mais uma vez, eles se voltam para os projetos de anistia e dosimetria. É para pacificar o país, justificam. Nada mais longe da verdade. Bolsonaro, que anda encenando o moribundo, alegaria o “histórico de atleta” para disputar a eleição presidencial mais uma vez, caso fosse anistiado.
Como resultado direto da impunidade, seu ímpeto golpista em nada arrefeceria. Ao contrário. Agraciados com o perdão, ele e seus comparsas – não esqueçamos do papel que os generais e outros militares desempenharam na trama antidemocrática – se sentiriam mais encorajados a enterrar de vez nossa cara democracia.
Nessa perspectiva, para eles, o crime compensa. O futuro se apresentaria como uma janela de oportunidades golpistas. Valeria a pena correr o risco – se é que ainda poderíamos falar de riscos. Neste sentido, anistiar os golpistas é, inexoravelmente, condenar a democracia.
Ao contrário do que alguns podem pensar, o projeto de dosimetria (diminuição de penas dos condenados) não seria menos temerário para a democracia brasileira. Muitos são os magistrados, juristas e parlamentares que têm alertado para o fato de que esse projeto favoreceria outros criminosos condenados por crimes de corrupção, crimes sexuais, ambientais etc.
O episódio mostra, à saciedade, que, para livrar seu bandido de estimação, os bolsonaristas não hesitam em livrar outros tantos bandidos, mesmo os mais sórdidos. Para salvar seu Barrabás, estão dispostos a condenar quantos inocentes forem necessários.
Em face do conjunto da obra, uma conclusão se impõe. O bolsonarismo é incompatível com a democracia. Precisamos defini-lo com muita clareza e precisão, de modo a dar o devido destaque a essa característica sua, que, segundo entendo, é a mais essencial. Advogo que uma definição adequada seja “bolsogolpismo”. A democracia não pode ficar refém de uma força política tão pérfida e abjeta.




