Recentemente, o dia 07 de fevereiro cravou no calendário republicano o dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas, instituído no ano de 2008 para rememorar, reconhecer e valorizar o protagonismo e autodeterminação das 305 etnias originárias que compõem o Brasil, de acordo com o censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em alusão à morte do líder indígena Sepé Tiaruju, em fevereiro de 1756, durante os conflitos alicerçados pelo projeto colonial entre as missões catequistas realizadas por tropas espanholas e portuguesas que se projetaram na atual região sul do país – denominadas guerras guaraníticas – as quais puseram em xeque a existência de povos e línguas originárias nas mais diversas províncias do Brasil em nome do fortalecimento do projeto colonial e missionário que vigorou durante os três séculos do mar de lama do escravismo no Brasil.

Ainda assim, o simbolismo presente no dia 07 deste mês, o qual envolve os séculos de luta reconhecidos pela institucionalidade republicana desde 2008, marca também as pautas que cercam os movimentos indígenas de todo o país em prol do reconhecimento de seus direitos, tais como o processo demarcatório das Terras Indígenas objetivando a manutenção da vida a partir do alicerce com a terra demarcada, como o direito à educação, já que a educação tradicional e escolarizada dos povos originários depende exclusivamente das constantes relações existenciais com a terra.
O maior evento que representa a luta dos povos indígenas do Brasil é marcado pelo Acampamento Terra Livre (ATL), em que a união de inúmeras etnias, lideranças indígenas, e organizações da sociedade civil mobilizam-se ininterruptamente desde o ano de 2004 no Distrito Federal objetivando reivindicar, a partir de suas forças e vozes ecoantes na política nacional, sobre a garantia dos direitos indígenas, ou como reforça o escritor e pensador Ailton Krenak, o direito à florestania (Krenak, 2019). Com o tema “nosso marco é ancestral: sempre estivemos aqui”, a última edição contemplou marchas, celebrações culturais, debates e sessões plenárias que tiveram como questão central discutir a garantia dos direitos constitucionais dos povos indígenas, tais como contestar a tese do marco temporal, a qual deslegitima a presença e permanência dos usos e desusos com as TIs antes da promulgação da Constituinte de 1988. Sônia Guajajara – atual ministra dos povos indígenas – ressalta na vigésima edição do ATL os processos de resisência de luta política protagonizados pelos povos indígenas do Brasil:
Nós, povos indígenas, somos a constituição deste país. Nós sabemos que aqui no Congresso Nacional nós temos pouquíssimos aliados, mas é com este pouco que tem […] é que a gente convida para caminhar junto para combater esse racismo estrutural e institucional que ainda instem e não aceitar nossos cocares nesses espaços. Nós conseguimos, ao longo desse um ano e quatro meses, homologar dez Terras Indígenas. É pouco? É pouco. Mas em dez anos, foram apenas onze territórios demarcados. A gente não ocupa cargo por cargo. A gente ocupa para fazer incidência direta. E isso nós estamos fazendo e vamos continuar fazendo. Porque o Ministério dos Povos Indígenas chegou para ficar (Guajajara, 2024)

Não obstante, no estado do Acre, os protagonismos dos 16 povos indígenas marcaram relevantes conquistas de direitos constitucionais para o cenário nacional, como por exemplo, a formação inicial e continuada para o magistério indígena, fundamentalmente a partir da segunda metade da década de 1970, em que os povos originários do Acre foram os pioneiros na luta pelo direito à educação intercultural, bilíngue e valorativa quanto ao ensino e ao fortalecimento dos aspectos culturais e identitários de cada uma das etnias. As lutas do Movimento Indígena do Acre marcaram ainda a conquista do reconhecimento à categoria profissional de Agentes Agroflorestais Indígenas (AAFI), em que participam desde 1996 ativamente de formações voltadas ao direito à saúde e educação, dentre eles o saneamento; reflorestamento; mapeamento e manejo florestal nas Terras Indígenas do estado.
Por fim, a data a qual simboliza a morte de Sepé Tiaruju e que marca o dia nacional de luta dos povos indígenas está permeada por conquistas e avanços em pautas primordiais para a garantia da vida dos originários, pois a luta ancestral que vigora na história do tempo presente é resultado da constatação de que antes do Brasil da coroa, existe um Brasil do cocar. Haux!
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ATL: ACAMPAMENTO TERRA LIVRE. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, 2024. Disponível em: https://apiboficial.org/atl-2024/?lang=en. Acesso: 07 fev. 2025.
BANIWA, G. Educação para manejo do mundo. Articulando e Construindo Saberes, Goiânia, v. 4, 2019. https://doi.org/10.5216/racs.v4i0.59074. Acesso: 07 fev. 2025.
IBGE. Censo 2010: população indígena é de 896,9 mil, tem 305 etnias e fala 274 idiomas. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/14262-asi-censo-2010-populacao-indigena-e-de-8969-mil-tem-305-etnias-e-fala-274-idiomas. Acesso: 07 fev. 2025.
KRENAK, Ailton. O eterno retorno do encontro. In: NOVAES, A. (org.). A outra margem do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
KRENAK, Ainton. Ideias para adiar o fim do mundo. Companhia das Letras, 2019.
NUNES, Mônica. Mais de 7 mil indígenas de 200 povos ocupam Brasília com o ‘Acampamento Terra Livre’ para exigir a demarcação dos territórios e ‘aldear a política’. Conexão Planeta – Povos indígenas, 11 abr. 2022. Disponível em: https://conexaoplaneta.com.br/blog/sete-mil-indigenas-de-200-povos-ocupam-brasilia-com-o-acampamento-terra-livre-para-exigir-a-demarcacao-dos-territorios-e-aldear-a-politica/. Acesso: 10 fev. 2025.
Ian Costa Paiva – Bacharelando em História pela Universidade Federal do Acre; pesquisador vinculado ao Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da Universidade Federal do Acre (Neabi/Ufac); membro bolsista do projeto da pesquisa institucional “História e historiografia amazônica: um estudo a partir de teses e dissertações da Capes”.