O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro absolveu nesta terça-feira (21) todos os réus acusados de envolvimento no incêndio que matou dez garotos da base do Flamengo, no Ninho do Urubu, em fevereiro de 2019. A decisão, assinada pelo juiz Tiago Fernandes de Barros, da 36ª Vara Criminal, considerou que as provas apresentadas foram insuficientes para apontar responsabilidade penal.
Foram absolvidos:
- Márcio Garotti, ex-diretor financeiro do Flamengo;
- Marcelo Maia de Sá, ex-diretor adjunto de patrimônio;
- Danilo Duarte, Fabio Hilário da Silva e Weslley Gimenes, engenheiros responsáveis por aspectos técnicos;
- Claudia Pereira Rodrigues, responsável por contratos da NHJ;
- Edson Colman, sócio da empresa que cuidava da manutenção de aparelhos de ar‐condicionado.
Todos respondiam pelos crimes de incêndio culposo e lesão grave. Inicialmente, o caso tinha 11 denunciados. Marcus Vinicius, monitor, foi absolvido. O engenheiro Luiz Felipe e o ex-diretor da base Carlos Noval tiveram denúncias rejeitadas.
Ex-presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello foi retirado da lista de reús em fevereiro deste ano. O Ministério Público alegou que o cartola, que tem 71 anos, não poderia mais ser punido e, portanto, o caso relativo ao ex-dirigente prescreveu.
Na sentença, o juiz destacou a existência de “dúvidas incontornáveis quanto à origem da ignição e à ausência de prova inconteste de qualquer conduta culposa individualizável”, apontando que a denúncia do Ministério Público foi genérica e baseada em hipóteses técnicas sem comprovação empírica.
O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) anunciou que vai recorrer da decisão.
Relembre o caso
O incêndio ocorreu na madrugada de 8 de fevereiro de 2019, no Centro de Treinamento George Helal, conhecido como Ninho do Urubu, zona oeste do Rio de Janeiro. O fogo atingiu o alojamento onde 26 jogadores das categorias de base dormiam em contêineres metálicos adaptados, sem alvará para funcionar como dormitório.
Segundo a perícia, o incêndio começou em um aparelho de ar-condicionado e se espalhou rapidamente por causa do revestimento altamente inflamável. Dez garotos morreram e três ficaram feridos.
As vítimas foram:
Athila Paixão (14), Arthur Vinícius (14), Bernardo Pisetta (14), Christian Esmério (15), Gedson Santos (14), Jorge Eduardo Santos (15), Pablo Henrique (14), Rykelmo de Souza (16), Samuel Thomas Rosa (15) e Vitor Isaías (15).
Outros 16 atletas sobreviveram, escapando por uma única porta. Entre os sobreviventes estão Dyogo Alves, hoje goleiro do time profissional do Flamengo, e Cauan Emanuel, que atua no Maranguape.
O Flamengo já havia firmado acordos indenizatórios com todas as famílias das vítimas — o último fechado em fevereiro deste ano, com parentes do goleiro Christian Esmério.
Repercussão e revolta dos familiares
A decisão provocou indignação entre os familiares das vítimas. Em nota, a Associação dos Familiares de Vítimas do Incêndio do Ninho do Urubu (Afavinu) classificou a sentença como uma “grave afronta à memória das vítimas e ao sentimento de toda a sociedade”, afirmando que seguirá lutando por justiça.
“Entendemos que o papel da Justiça não se limita à aplicação da lei em casos individuais, mas exerce uma função pedagógica essencial na prevenção de novos episódios semelhantes. A absolvição dos acusados renova em nós o sentimento de impunidade e fragiliza o mecanismo de proteção à vida”, diz o texto.
A entidade também pediu que o processo seja acompanhado com rigor pelos órgãos de recurso e cobrou medidas concretas para garantir segurança em alojamentos esportivos.
Nota da Afavinu na íntegra
A Afavinu (Associação dos Familiares de Vítimas do Incêndio do Ninho do Urubu), que congrega mães, pais, irmãos e demais familiares das dez vítimas fatais da tragédia ocorrida em 8 de fevereiro de 2019 no alojamento da base do Flamengo, manifesta seu profundo e irrevogável protesto diante da decisão proferida pela 36ª Vara Criminal da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, que absolveu em primeira instância todos os sete acusados no processo criminal resultante dessa tragédia.
Entendemos que o papel da Justiça não se limita à aplicação da lei em casos individuais, mas exerce uma função pedagógica essencial na prevenção de novos episódios semelhantes, no envio de mensagem clara à sociedade de que negligências de segurança, falhas na estrutura técnica e irresponsabilidades não serão toleradas – e não cumprir essa função configura, para nós, grave afronta à memória das vítimas e ao sentimento de toda a sociedade.
A Afavinu seguirá em busca de Justiça e na esperança de que a decisão seja revista, reiterando seu pedido de que o processo seja acompanhado com rigor pelos órgãos de recurso para que a sociedade receba a mensagem de que tais condutas não ficarão impunes.
Reafirmamos que a memória dos jovens não será silenciada: os nomes deles, suas vidas interrompidas em circunstâncias evitáveis, exigem que continuemos vigilantes.



