ENQUANTO A CHUVA NÃO VEM
Toda necessidade é cega, a não ser que haja conhecimento; todo conhecimento é vão, a não ser que haja trabalho e todo trabalho é vazio, a não ser que haja amor; e quando trabalhais com amor, vos ligais a vós mesmos, e aos outros, e a Deus.
(Khalil Gibran em o Profeta)
Sou fã do Gibran desde que peguei seu primeiro livro para ler. Não por acaso, seu livro mais famoso, O Profeta. Talvez seja porque Gibran é um dos mais espetaculares escritores da língua árabe. Talvez seja porque ele era libanês. Talvez porque era filho da diáspora. Talvez…
A verdade é que amo Gibran por seu amor. Amor a Deus, à pátria, a sua terra ancestral. São deles essas palavras: O que é trabalhar com amor? É tecer o pano com fios tirados do vosso coração, como se vosso bem-amado fosse usar aquele pano…
Bonito, né?
Foi também com ele que aprendi: por que tempestades prende na tua rede, e que pássaros vaporosos caças ao céu? Vem e sede um de nós. Desce e mata a rua fome com nosso pão e mitiga tua sede com nosso vinho…
Vivemos dias tão difusos. Estranhos mesmos. Dias em que o calor no Acre me faz parecer viver no Saara (sem oásis e sem tâmaras). Um Acre que em nada parece com a cidade de mesmo nome em Israel, um porto para inúmeros caminhos. Um Acre sem chuva, com excesso de queimadas, com terra seca que também me lembra o semiárido brasileiro. Uma terra que nada lembra a floresta que nos sustenta.
Acho que o calor andou a fritar meus miolos, só pode. Falta-me assunto para escrever. Só consigo pensar em chuva, daí porque me refúgio nas palavras do profeta e ouço cada vez mais músicas aleatórias de Mozart (porque se ouvir Beethoven termino de sufocar nessa fumaceira sem fim).
2020 tá tão esquisito que tenho medo de que seja o nosso 1968 (aquele do Zuenir Ventura, que não terminou). Já pensou viver eternamente neste ano?
Deus me defenderai!
Enquanto leio o profeta e penso no moço de um dos profetas preferidos, o profeta Elias (eu vejo uma pequena nuvem, do tamanho da mão de um homem… moço, cadê a nuvem pelas caridades?) fico a imaginar: se tá terrível ficar 40 dias sem chuva, imagem o que é passar três anos e seis meses?
Gibran me ensina que “na solidão nas nossas almas dizemos muitas coisas… não esqueçais, porém que o espírito mestre da terra não dormirá em paz no vento até que a necessidade do último de vós seja satisfeita. E não esqueçais que a terra adora sentir vossos pés descalços e o vento deseja brincar com os vossos cabelos…”
Enquanto espero a chuva e o vento para caminhar novamente descalça na terra (nesse calor não há menor condição), oro para que o Senhor nos ajude nessa travessia e me lembro das palavras de uma velha sabedoria oriental: o deserto não é o nosso lugar, mas precisamos atravessá-lo. E a melhor parte desse deserto é que no final há um oásis. E todo Oásis tem água, tâmaras e sombra.
Que venha a chuva e com ela também chegue à alegria da terra molhada e o amor do coração aquecido.
Boa semana!
Carinhos meus,
Charlene
P.S: alguém aí pede ao Tashka para fazer a dança da chuva, for God!