O anúncio do adiamento da conclusão do acordo entre Mercosul e União Europeia para janeiro frustrou, mais uma vez, expectativas alimentadas desde o final do século passado. A sucessão de postergações reforça a percepção de que a assinatura se distancia, ao passo que o impasse técnico e político parece longe de uma solução.
Não se trata de um retardamento trivial. As tratativas entre os blocos vêm sendo arrastadas há um quarto de século e já presenciaram mudanças de governos, crises econômicas, alterações geopolíticas e transformações profundas no comércio internacional. Poucos tratados no mundo carregam um histórico tão longo de desilusões acumuladas e promessas não cumpridas.
Entre os principais entraves atuais estão as resistências de França e Itália. Ambos os países verbalizam uma oposição de caráter claramente protecionista, sobretudo no que diz respeito ao agronegócio sul-americano. A narrativa ambiental, em outros contextos legítima, acaba sendo instrumentalizada para proteger interesses de poderosos setores econômicos.
A França, em especial, nunca escondeu o temor de que produtos agrícolas do Mercosul, com elevada qualidade produtiva e competitividade sensivelmente superior, pressionem seus produtores locais. A Itália, embora em tom mais discreto, segue a mesma lógica de defender setores específicos, preservar subsídios e resistir à concorrência externa.
Tal comportamento, longe de ser uma novidade, possui um componente estrutural e histórico. A União Europeia sempre foi um bloco hábil em exigir abertura comercial externa ao mesmo tempo em que mantém sofisticadas barreiras internas para os seus próprios mercados. Exigências sanitárias, fitossanitárias e ambientais tornaram-se, na prática, instrumentos de contenção comercial.
Diante desse cenário, a cúpula do Mercosul precisa fazer uma reflexão. Apostar excessivamente em tal acordo, como se ele representasse a derradeira ponte de inserção internacional, poderia trazer consequências psicológicas e diplomáticas desagradáveis para os países que integram o bloco. Além disso, tenderia a torná-los menos ágeis e menos pragmáticos frente aos avanços de competidores relevantes, como a Austrália e os países integrantes da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).
O mundo atual é muito diferente daquele em que as negociações começaram. Cadeias globais se reorganizaram, a Ásia se tornou o principal protagonista do comércio internacional e novos acordos surgiram fora do eixo tradicional Europa–Atlântico Norte.
É nesse ponto que entra a necessidade de diversificação. O Brasil, essencialmente, já possui sua maior parceria comercial com a Ásia e, notadamente, com a China. Não se trata apenas de volume, mas de complementariedade econômica e previsibilidade nas relações.
Além da China, mercados como Indonésia, Vietnã, Índia e países do Oriente Médio oferecem oportunidades concretas para produtos brasileiros. Muitos desses países negociam com menos barreiras ideológicas e maior foco em resultados bilaterais.
Outra alternativa viável seria a América do Sul ampliada e a integração com os países andinos, além de acordos específicos com México e América Central. São mercados próximos, com custos logísticos menores e espaço para crescimento do comércio intrarregional.
O avanço em acordos bilaterais mais flexíveis também se revela necessário para que os integrantes do Mercosul não fiquem reféns da lentidão estrutural dos grandes blocos. Países como Austrália, Canadá e nações africanas emergentes podem ser parceiros estratégicos relevantes e com exigências mais equilibradas.
Isso não significaria abandonar as tratativas com a União Europeia. A busca por um senso comum que possibilite a concretização do acordo continua sendo desejável, especialmente pelo potencial simbólico e institucional. Mas esta busca não pode ser tratada como condição indispensável para o desenvolvimento do Mercosul e, particularmente, do comércio exterior brasileiro.
Enquanto o Mercosul aguarda a permissividade de França e Itália, o Brasil precisa agir com autonomia estratégica. O mercado asiático já é prioridade de fato; falta apenas que seja assumido plenamente como prioridade política e diplomática.
Em um mundo multipolar, não há espaço para dependências excessivas. O acordo com a União Europeia pode chegar em um futuro próximo — ou não. O que não pode ser protelado é a consolidação de uma postura regional mais pragmática, diversificada e alinhada às dinâmicas reais do comércio exterior contemporâneo.
Por: Marcello Gomes Afonso




