Mais um ano se inicia e a esperança dos acreanos é de que dias melhores virão. Apesar da fé, esperança e otimismo do nosso povo, o ano começa da mesma forma que terminou, ou seja, com o agravamento dos problemas nas principais áreas sociais.
A continuação da pandemia, o surgimento de novas variantes e o surto de gripe têm tornado o cotidiano do acreano um verdadeiro caos, fatos que, inclusive, motivaram nos últimos dias o prefeito da capital Rio Branco e o governador do estado a decretarem situação de emergência.
No entanto, as dificuldades não param nas citadas anteriormente. Além das questões envolvendo saneamento básico, infraestrutura, desemprego e desigualdade social, os cidadãos do nosso estado ainda convivem angustiados com os efeitos da violência, apesar da “aparente” queda dos índices de criminalidade relacionados às mortes violentas, em especial no ano de 2021 (redução de 40,7% em relação a 2020).
Em se tratando de estatísticas, o tema foi amplamente exposto no nosso texto “O jogo das estatísticas na Segurança Pública do Acre”, veiculado no site Agazeta.net após divulgação do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, ainda no ano de 2020. O referido texto demonstrou claramente que as taxas de criminalidade em nosso estado ainda eram alarmantes e que a publicação de dados pelos órgãos governamentais se revestia como “disfarce” para a sociedade.
Em uma análise mais abrangente, entendemos que, na prática, a diminuição dos crimes violentos ocorre pela fusão de várias circunstâncias que incluem impreterivelmente as consequências da pandemia (também discutido no texto “Os efeitos da Covid – 19 na violência do Acre”), e, em especial, a pacificação dos conflitos por domínio territorial promovido pelas organizações criminosas com atuação em nosso estado.
Não é demais ponderar, sem qualquer hipocrisia, que também foram promovidas pelo poder estatal algumas melhorias significativas na área da Segurança Pública que, entre outras ações, possibilitou o ingresso de novos policiais, criou o Grupo Especial de Fronteira (Gefron), o Programa “Acre pela Vida”, o Centro Integrado de Comando e Controle (CICC/AC), a Força – Tarefa de Segurança Pública, além de efetivar a aquisição necessária e indispensável de novos equipamentos.
Apesar de o cenário atual transparecer favorável, de certa forma pelo que é divulgado por parte da imprensa local, nem tudo são flores na Segurança Pública do Acre. Em contrapartida a queda de mortes violentas e outros crimes graves tiveram aumento significativo nos últimos meses, entre os principais destacamos os roubos com cárceres privados, extorsões e furtos, todos eles fomentados por uma lógica simples: a atuação das facções criminosas e a necessidade de capital para operacionalizar o tráfico ilícito de entorpecentes e outros interesses ilícitos.
Para ilustrar a sazonalidade da migração dos crimes e o consequente aumento da violência, citamos o ousado roubo ocorrido na noite do dia 10 de janeiro de 2022, quando a sede do Departamento de Estradas e Rodagens do Acre (Deracre) foi invadida por criminosos que subtraíram três caminhonetes do governo estadual, além de terem mantido em cárcere privado um secretário de estado e outros servidores.
Recentemente um morador e proprietário de um estabelecimento comercial situado em um dos bairros do segundo distrito da capital, relatou-me pessoalmente que estava deixando o estado, pois após passar meses pagando o valor semanal de R$100,00 como “mensalidade de segurança” para um dos líderes de uma facção criminosa, ele acabou recebendo uma “sentença” de que deveria ir embora, pois foi “acusado” de ser “cabueta” e entregar um dos membros da organização para a polícia.
Situações como essa, na realidade, poucas são resolvidas pela polícia. Às vezes não há sequer um registro de notícia crime, e, de outro lado, as operações policiais de combate ao crime organizado sempre focam na prisão de seus integrantes, que via de regra já estão presos por outros crimes. São as operações intituladas de “enxuga gelo”, sem nenhuma efetividade concreta na alteração da força das facções criminosas.
Paralelamente, outros crimes também continuam aumentando de forma descontrolada, como os praticados em ambiente virtual e contra a mulher. Para constatarmos essa realidade, basta ficarmos em frente a qualquer delegacia de polícia do estado por algumas horas que será facilmente perceptível a grande quantidade de vítimas registrando boletins de ocorrência de crimes cibernéticos envolvendo fraudes, estelionatos, difamação, dentre outros.
Não existe “fórmula mágica” para extirpar a violência e de nada adianta tentar mascarar uma falsa sensação de segurança para o acreano. Precisamos de verdadeiras ações integradas e estratégicas de todas as forças policiais, sempre com o alicerce de igualdade de condições, pois é inadmissível a perpetuação do “discurso vazio” de que existe um trabalho conjunto, sendo que no cotidiano prevalece as máximas do “cada um por si” e “primeiro meus interesses”.
É necessário um olhar do poder público que ultrapasse o campo policial atingindo o processo educacional, de políticas públicas e sociais, somente assim, quem sabe, teremos uma Segurança Pública ideal no Acre.
Sempre confiante e com lucidez, vamos continuar acreditando que em 2022 a violência em nosso estado vai diminuir consideravelmente, atingindo patamares aceitáveis, sobretudo para a população mais carente e que convive nas áreas mais críticas da capital e dos demais municípios.
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Roberth José de Sousa Alencar é Delegado de Polícia Civil pós graduado em Ciências Penais, Direito do Estado e Docência Superior pelo Instituto Flávio Gomes (LFG), bem como especialista em investigação criminal com cursos no FBI e CSI Miami. Ex – Diretor Jurídico e Operacional da Polícia Civil do Acre, Professor de cursos preparatórios para concursos e de Instituições de Ensino Superior, além de ter exercido a função de Coordenador da Força Nacional de Segurança Pública nos estados de Sergipe, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. E-mail: roningracia@gmail.com