Quando eu lia os jornais locais ainda em suas versões impressas, o Acre parecia distante dos grandes centros de decisão econômica do planeta. As páginas que relatavam eventos internacionais, disputas comerciais e investimentos estrangeiros pareciam narrar um mundo paralelo, quase utópico.
Mas hoje, essa distância é apenas geográfica. O mundo mudou — e o Acre, silenciosamente, tem acompanhado essa mudança. A digitalização das economias, a integração dos mercados e a busca por novas fronteiras produtivas abriram caminhos que antes pareciam inalcançáveis.
O comércio internacional enfrenta atualmente uma transformação sem precedentes. A pandemia, as guerras recentes e o avanço tecnológico aceleraram o redesenho das cadeias produtivas globais. Empresas e governos repensam dependências estratégicas e buscam alternativas logísticas mais curtas, seguras e sustentáveis.
É nesse contexto que o Acre ressurge. O corredor bioceânico ligando o Brasil ao Peru, e deste ao Oceano Pacífico, já não é apenas um projeto em estudo — é uma realidade em consolidação. Essa rota abre uma janela histórica para que o Acre se torne um elo essencial entre a Amazônia e os mercados asiáticos.
O impacto direto vai muito além da infraestrutura. Cada estrada, porto e zona de processamento de exportação representa uma mudança de mentalidade: a compreensão de que desenvolvimento não é apenas o que se constrói no solo, mas o que se projeta no imaginário coletivo.
A Zona de Processamento de Exportação de Senador Guiomard, por exemplo, tem potencial para se tornar o coração dessa nova mentalidade. Um ambiente onde empresas locais podem produzir com competitividade internacional, gerar empregos qualificados e inserir o Acre em cadeias de valor globais.
Mas nenhuma estrutura física será suficiente se o pensamento permanecer limitado. O Estado que um dia foi visto como periférico precisa agora se enxergar como no início de uma importante caminhada. Isso exige educação voltada à internacionalização, cultura empreendedora e cooperação real entre os setores público e privado.
O momento é promissor. O mundo volta os olhos para a Amazônia com interesse econômico legítimo — não apenas por questões ambientais, mas por necessidade estratégica. A transição energética, a demanda por alimentos sustentáveis e a corrida pela biodiversidade transformaram a floresta em ativo geoeconômico de primeira ordem.
Nesse novo cenário, o Acre pode ser mais do que um mero exportador de produtos naturais: pode ser fornecedor de inteligência produtiva. O açaí, o cupuaçu, a castanha e a madeira certificada são exemplos de cadeias que, quando organizadas sob critérios de rastreabilidade e qualidade, podem alcançar mercados exigentes da Europa e da Ásia.
Ao mesmo tempo, há um campo imenso a ser explorado na bioeconomia e nos alimentos funcionais. O que antes era produção artesanal hoje pode se tornar indústria de valor agregado, com certificações internacionais e presença digital global.
O desafio, contudo, é romper a barreira invisível da imaginação. Antes de exportar produtos, o Acre precisa exportar visão. Antes de falar em competitividade, precisa falar em autoconfiança regional. A mentalidade global nasce de um simples e derradeiro ato: acreditar que se tem algo relevante a oferecer ao mundo.
Essa virada não depende apenas de investimentos, mas de uma mudança de percepção. É preciso que o acreano veja no comércio exterior não um tema distante, e sim uma ferramenta concreta para gerar prosperidade, conhecimento e autonomia econômica.
Pela primeira vez em décadas, o Acre tem diante de si uma oportunidade que combina localidade e universalidade. De um lado, a riqueza natural e cultural de um território único; de outro, a chance de dialogar diretamente com os grandes fluxos de poder e consumo global.
As próximas fronteiras do desenvolvimento regional não serão geográficas, e sim mentais. O Acre que compreender isso cedo demais será o Acre que o mundo reconhecerá tarde demais — mas com respeito e admiração.
Escrito por: Marcello Afonso




