Fazendo comunicação eficaz, entre outros slogans, a extrema direita brasileira forjou o afamado “Deus, pátria e família”. Nessa linha, apropriou-se da bandeira e das cores verde e amarelo. Na frente dos quartéis, aqueles que serviram de massa de manobra para os intentos golpistas marchavam, batiam continência para a bandeira – e para pneus – e cantavam o hino nacional. Show de horrores e patetices!
Parece que, de fato, estamos diante de um patriotismo. Mas, indo para a além das palavras e dos gestos cênicos, que tipo de patriotismo é esse?
Para responder a essa pergunta, vamos contrastar esse patriotismo verbal com as atitudes de membros de relevo dentro do bolsonarismo, com destaque para Bolsonaro, seu líder maior.
Patriotismo é um termo polissêmico e, como tal, se presta a muitas e diversas definições. Contudo, se o tomarmos em seu sentido mais elementar, ele quer dizer defesa da pátria-país, de seus interesses e de sua soberania frente a outros países. Não é por outro motivo que o patriotismo ganhou força e relevância na luta pela independência dos mais diversos países[i] e durante as duas guerras mundiais. Em ambos os contextos, agir como patriota era combater àqueles que, de fora, queriam submeter o país e seu povo, tirando-lhe recursos e a soberania.
Considerando as coisas por esse ângulo, não parece nada patriótico o fato de Bolsonaro, já no cargo de presidente, bater continência para a bandeira dos EUA[ii]. Não foi apenas um gesto de respeito, vale dizer. Se fosse o caso, deveríamos perguntar: nos vários países que visitou, a que outra bandeira ele demonstrou o mesmo “respeito”? A nenhuma.
Foi um gesto único. E, para ser direto e preciso, foi um gesto de submissão. Estando na condição de presidente, Bolsonaro representava o povo brasileiro. Assim sendo, por inclinação pessoal, por incapacidade de diferenciar a pessoa (Bolsonaro) da autoridade (presidente), ele curvava todo povo brasileiro ante uma bandeira estranha, estrangeira.
Naquela cena, era o Brasil que dobrava a espinha para outro país, de um modo constrangedor. Só não foi mais constrangedor do que o “I love you” que o “patriota” machão disse para Trump. Este se reservou a dizer “Nice to see you again”[iii] (Bom te ver novamente).
Em termos de declarações amorosas, como podemos ver, a relação é assimétrica. Explosão de amor e vassalagem do lado de cá e formalidade fria do lado de lá. Foi exatamente isso que se deu quando, de maneira unilateral (sem contrapartida), Bolsonaro liberou os cidadãos norte-americanos para entrarem sem visto no Brasil[iv]. Procurando justificar o ato de servilismo, disse, menosprezando seu próprio povo, que não vê “nenhum americano indo para o Brasil para ganhar estabilidade”.
Fazendo coro a seu pai, em 2019, Eduardo Bolsonaro apoiou a deportação de Brasileiros por Trump e afirmou que tais brasileiros eram “uma vergonha”. Nenhuma atitude que pudesse amparar moral e materialmente os brasileiros que estavam nos EUA. Já em 2025, no novo governo de Trump, justificando violências e arbitrariedades contra brasileiros, Bolsonaro disse que “no lugar dele, faria o mesmo”[v]. Entre os de lá e os de cá, o “patriotas” não hesitam: está sempre do lado dos de lá.
É possível ver assa opção servil pelos de lá em outros âmbitos. Assim foi quando Bolsonaro assinou acordo para deixar empresas estrangeiras (dos EUA e do Canadá) usarem a Base de Alcântara[vi]. E ainda. Para mostrar mais adulação aos de fora, Bolsonaro cogitava sair do Mercosul[vii], enfraquecendo a economia regional e ficando mais “livre” (vulnerável) para servir a seu verdadeiro patrão: os EUA. Nesse momento em que Trump coloca em marcha um “tarifaço” que pode prejudicar bastante nossa economia – em resposta a Haddad, mas justificando a ação de Trump -, alegou que ele “está taxando os outros, não o próprio povo[viii]”.
Essas e outras coisas mostram que o patriotismo da extrema direita não tem zelo patriótico com a bandeira nacional, com o povo brasileiro, com o território nacional (elemento central da soberania de qualquer país) e com nossa economia nacional. Ao contrário, esse patriotismo se faz em detrimento de tudo isso. Por isso, sem embargo, podemos defini-lo como patriotismo vassalo.
Com a boca a extrema direita diz “Brasil acima de tudo”. Todavia, como sua prática prova sobejamente, eles laboram para que o Brasil esteja, sempre, sob as botas da potência do norte e de seu líder extremado. A extrema direita falaria a verdade se dissesse “EUA acima de tudo”.
Quando membros do governo Lula começaram a usar o boné com a frase “O Brasil é dos brasileiros”, a extrema direita não gostou. Sentiu-se ofendida com uma frase que diz o óbvio, uma frase que, em outras circunstâncias, nem precisaria ser dita e quem a dissesse pareceria um bobo.
Eduardo Bolsonaro saiu em defesa… em defesa de Trump. Ele se doeu pelo presidente estadunidense. Um deputado brasileiro se rebela contra um boné e se mostra mais preocupado em defender o presidente de outro país do que seu próprio povo. Seu patriotismo está voltado para os interesses de outro país, de outro povo.
Vale frisar que ele fez a mesma coisa quando, em razão da vitória do filme Ainda estou aqui no Oscar, o diretor Walter Salles alertou sobre os perigos do extremismo na política internacional. Ao invés de celebrar a vitória de um filme brasileiro, em vez de orgulhar-se com uma obra que tem encantado o mundo todo, o deputado Eduardo Bolsonaro, doendo-se por Donald Trump, chamou o diretor brasileiro de “psicopata cínico”[1].
O que é motivo de orgulho para o povo brasileiro, para o deputado e para a extrema direita de que ele faz parte, é motivo de ódio. Seu patriotismo não está apenas dissociado de seu povo, seu país e sua cultura. Seu patriotismo está em choque contra tudo isso.
Há mais. No momento, outro traço desse patriotismo vassalo ganha claros contornos e realça seus vínculos com o golpismo.
A robustez da investigação da Polícia Federal contra os golpistas e o destemor de Paulo Gonet (Procurador-geral da República) e do ministro Alexandre de Moraes dão conta da condenação dos responsáveis pela tentativa de golpe no país. Com margens de manobra reduzidas internamente, a extrema direita se volta para fora, em busca de salvar a própria pele.
Em visível condição de desespero, o senador Marcos do Val apelou: “Pedir pelo amor de Deus que os Estados Unidos invadam o Brasil para recuperar a nossa democracia. O que vamos fazer? Sozinho eu não consigo fazer!”[ix]
Também desesperado – e mentindo como sempre -, Bolsonaro falou de “37 acordos assinados com a China. Entregando o Brasil para a China (…) entre eles um acordo de energia nuclear, material que a China não tem e vai ter em abundância agora e se aplica para muita coisa aí. Não é pelas energias, agricultura e medicina, é em construção de bombas atômicas. Podem ficar tranquilos, já passei para a equipe do Trump isso aí, passei em primeira mão lá atrás”. E emendou: “Eles [o governo dos EUA] têm uma preocupação com o Brasil, eles não querem que o Brasil se consolide com uma nova Venezuela e nós sabemos que o problema do Brasil não vai ser resolvido internamente, tem que ser resolvido com apoio de fora”[x].
Interessa registrar que, em resposta às ações expansionistas de Donald Trump, que os governos e o povo da Groelândia e do Canadá se levantaram em defesa de sua soberania. Coisa semelhante foi feito pelo México, em razão das tarifas impostas. Governos e povos em atitude vibrante e vigorosa em defesa de seus interesses, de sua soberania.
Isso contrasta com o espírito de vassalagem da extrema direita brasileira. Alguns de seus membros estão implorando para que os EUA invadam o Brasil. Claro fica que seu patriotismo não contempla a soberania brasileira. Ao contrário. É um tipo sui generis de patriotismo que se faz às expensas da soberania nacional, de seu povo, de suas instituições, de sua Constituição. O sonho da extrema direita, na verdade, era o Brasil virar uma colônia dos EUA. Eles querem ter o Trump como presidente.
Além disso, vale observar que, nesses novos movimentos, o golpismo continua em marcha. Para salvar a própria pele e deixar de pagar pelos crimes que cometeram, os extremistas não pensam duas vezes em colocar a perder todo o país. Eles em primeiro lugar, seus interesses pessoais e mesquinhos. O resto que se exploda!
Não resta dúvida de que o golpe que os extremistas intentaram dar só não foi exitoso porque o governo Biden, a CIA e os militares estadunidenses não apoiariam. Inclusive, explicitaram sua oposição ao golpismo em mais de uma oportunidade[xi]. Porém, agora, o cenário mudou com a eleição de Trump.
Nesse novo cenário, os extremistas buscam “fora” a força que não tiveram e não têm “dentro”. Enquanto Bolsonaro era presidente, tentaram aplicar o golpe a partir de dentro. Agora que saiu da presidência, buscam aplicar o golpe de fora.
Como se vê, o golpismo da extrema direita é um movimento perpétuo, multifacetado e adaptado às mais diversas circunstâncias. Golpismo, de um lado, e vassalagem e entreguismo, de outro. Esse é o espírito da extrema direita brasileira.
Por nossa democracia, por nossa soberania, sem anistia!!!
Professor e pesquisador de Instituto Federal do Acre/Campus Cruzeiro do Sul. Autor dos livros Democracia no Acre: notícias de uma ausência (PUBLIT, 2014), Desenvolvimentismo na Amazônia: a farsa fascinante, a tragédias facínora (EDIFAC, 2018) e A política da antipolítica no Brasil, Vol. I e II (EaC Editor, 2021) e Ciência, educação e política, Vol. I e II (EDIFAC, 2024).
[1] Eduardo Bolsonaro chama Walter Salles de “psicopata”
[i] Na Europa, no fim do período feudal; no fim do período colonial, na periferia do sistema capitalista.
[ii] Bolsonaro presta continência à bandeira dos Estados Unidos e erra próprio bordão – Jornal O Sul
[iii] Bolsonaro diz ‘I love you’ para Trump, que desdenha: ‘Bom te ver de novo’
[iv] Bolsonaro diz que liberou visto porque turistas americanos não vão ao Brasil buscar emprego | Política | G1
[v] “Eu faria o mesmo”, diz Bolsonaro sobre política de imigração de Trump | CNN Brasil
[vi] Governo entrega exploração da Base de Alcântara para empresas dos EUA e Canadá – Brasil de Fato
[vii] ‘Tudo pode acontecer’, diz Bolsonaro sobre saída d… | VEJA
[viii] “Trump está taxando os outros, não o próprio povo”, diz Bolsonaro
[ix] Marcos do Val clama por invasão dos EUA no Brasil
[x] À beira da prisão, Bolsonaro comete novo crime e pede intervenção dos EUA no Brasil contra a China | Brasil 247
[xi] Senado dos EUA aprova recomendação de romper relação com o Brasil em caso de golpe – BBC News Brasil; Como Biden ajudou a evitar um golpe de Estado no Brasil; Tentativa de golpe: 5 fatores que explicam por que plano de manter Bolsonaro no poder fracassou – BBC News Brasil