Nas últimas semanas visitei a Itália, país que se tornou referência mundial na rara combinação entre tradição, estética e competitividade econômica. Basta caminhar alguns minutos pelas ruas de Roma, Veneza ou Milão para perceber que existe ali algo que transcende o turismo: uma forma muito particular de transformar identidade em valor econômico real.
A Itália não depende apenas da escala industrial para competir. Seu verdadeiro ativo é intangível: a capacidade de projetar uma narrativa coerente e imediata de qualidade, história e estilo de vida. O visitante percebe esse valor antes mesmo de consumir qualquer produto. Ele se manifesta nas ruas — e se converte em exportações.
A estética presente no cotidiano italiano não é mero detalhe cultural; ela cumpre plena função econômica. O realismo das esculturas renascentistas, a harmonia das vitrines e o rigor visual até em estabelecimentos mais simples criam um ambiente que sustenta setores inteiros de alto valor agregado. Há um “produto Itália” que começa a ser exportado muito antes de cruzar qualquer fronteira.
Essa lógica ajuda a explicar por que pequenas oficinas artesanais conseguem competir no mercado global com produtos de luxo, e por que regiões de escala modesta se transformam em marcas internacionais. Em cada território italiano existe a compreensão de que identidade é ativo econômico — e, quando bem comunicada, vale mais do que a produção em massa.
O mesmo raciocínio se aplica à força das indicações geográficas. Um vinho toscano não é só uma bebida; carrega origem, método e história. A massa e o queijo emiliano-romanholos não são apenas matérias-primas; são patrimônio cultural e símbolos de séculos de aprimoramento manual. O vidro artístico de Murano não precisa justificar seu preço: ele é o próprio mito milenar. O mundo paga caro pelo que reconhece como autêntico, não pelo que enxerga como desprovido de valor.
Esse contraste é especialmente instrutivo para o Acre. Temos insumos valiosos, biodiversidade única e uma narrativa amplamente favorável — sustentabilidade, floresta em pé, origem amazônica. Ainda assim, seguimos tratando nossas riquezas como commodities, quando deveríamos tratá-las como símbolos. Exportamos produtos, quando poderíamos exportar significado.
O açaí, a castanha, os óleos vegetais e as essências amazônicas carregam enorme potencial cultural. Ainda assim, nossa presença internacional permanece limitada ao fornecimento de matéria-prima em estado bruto. Falta-nos a construção de identidade, marca e posicionamento — os mesmos elementos que transformaram pequenas regiões italianas em ícones globais.
A Itália demonstra que a força de um território não depende da grandiosidade industrial, mas da clareza com que projeta sua história para o mundo. No comércio exterior contemporâneo, o objeto físico é apenas parte do valor. O restante é narrativa: aquilo que o produto representa no imaginário do consumidor.
Transformar insumos em marcas não exige uma revolução industrial, mas uma revolução conceitual. Exige design, curadoria, certificação, storytelling, consistência estética e visão de longo prazo. Exige compreender que o futuro do comércio exterior é cultural — e que quem domina essa lógica constrói vantagens competitivas duradouras.
Mais importante: essa transformação não depende apenas do setor privado. Envolve governo, produtores, empreendedores criativos, agentes de exportação e instituições de apoio, todos integrados em uma mesma estratégia de posicionamento territorial.
A Itália que visitei nestes dias é um espelho de como tradição e modernidade podem caminhar juntas. E é também um lembrete de que o Acre, se quiser ocupar seu merecido lugar de destaque, precisa deixar de vender apenas insumos e começar a vender identidade.
No mundo atual, o valor não está apenas no que produzimos, mas no que representamos. A Itália compreendeu essa lógica há séculos. O Acre precisa compreendê-la agora.
Por: Marcello Gomes Afonso




