Por: Israel Souza[1]
Enfim, a Polícia Federal (PF) concluiu o inquérito sobre o movimento golpista de Bolsonaro. O conjunto de indícios e provas é robusto. Contém mensagens de telefone, áudios, documentos (digitais e escritos à mão), desenhos, fotos, vídeos… Talvez, só não seja maior que o impacto assustador que a trama golpista – que incluía até assassinato de adversários políticos – suscita nos que prezamos pela democracia.
Encurralado pelos fatos, Bolsonaro se faz de sonso. A trama golpista se arrastou por meses. Não se deu, casualmente, a partir de uma reunião ou de uma conversa descontraída de amigos no WhatsApp. Foram várias as reuniões, inclusive no Palácio do Planalto e na casa do candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro. Criaram grupos em aplicativos para tratar do tema, envolvendo gente do alto escalão das Forças Armadas e do Governo de então.
Através de um golpe de cariz militar, o objetivo era manter Bolsonaro na presidência. A despeito das inúmeras provas, ele agora diz que não sabia de nada. Como a Carolina da música de Chico Buarque, o golpe passou na janela, e só ele não viu.
Em seu entorno, gente ligada a ele e subordinada a ele tramava um golpe para mantê-lo na presidência, e ele quer nos convencer de que não sabia de absolutamente nada. Até parece que iriam dar um golpe e, de surpresa, estender sua permanência no cargo de presidente.
Em face do conjunto probatório, é impossível – com justeza – negar a tentativa de golpe. Se Bolsonaro não sabia de nada e tem zelo pela sua honra e pela democracia, deveria denunciar a traição de que foi alvo – pressupondo que estavam agindo sem seu conhecimento e anuência – e exigir severa punição dos envolvidos.
Fará isso? Duvido. Chefe da horda, ele sabe que tem culpa e não quererá ser delatado por seus consortes golpistas. Se fizer isso, só tem a perder e só faria isso se não tivesse mais alternativas, sendo obrigado a tanto pelas circunstâncias.
Mesmo um palerma como ele, não dormiria assim no ponto. Afinal, esse é o Bolsonaro do “um manda e o outro obedece”; do “Eu sou presidente. Não abro mão da minha autoridade”; do “a minha inteligência particular funciona”. Esse é o mesmo Bolsonaro que desconfiava de tudo e de todos.
É seguro afirmar que ocorre com a trama golpista agora o que ocorrera antes com o episódio da falsificação do cartão de vacinas. Mauro Cid falsificou o cartão de vacina de Bolsonaro e de sua filha. E Bolsonaro, agindo como sonso, finge que não sabia de nada. Como dizem, o problema do malando é achar que todos são otários.
Procurando dar alguma resposta satisfatória, afirma que pensou em “saídas” “dentro das quatro linhas da Constituição”. Saídas de que, pra que? Para não respeitar a vontade popular manifesta nas urnas?
A isso chamamos golpe. E diga-se, de uma vez por todas, a Constituição não alberga manobras anticonstitucionais. Não existe constitucionalidade em golpes contra a Constituição.
Vale dizer que, fora os fanáticos, ninguém se surpreende com o golpismo homicida de Bolsonaro. Faz tempo ele disse que, sendo eleito presidente, daria um golpe no outro dia. Faz tempo ele disse que fuzilaria Fernando Henrique e, mais recentemente, convidou seus apoiadores a “fuzilar a petralhada”. O Bolsonaro de ontem é o mesmo de hoje. Nada mudou, a não ser que, ganhando mais poder, ficou ainda mais perigoso.
Vez ou outra, cometemos o erro de falar em “arroubos’ ou “rompantes” golpistas de Bolsonaro. Mas, primando pela precisão, devemos reconhecer que seu golpismo não é um deslize, num momento de empolgação. Mais precisamente, o golpismo é, nele, um instinto primal, indômito. Ele não consegue disfarçar ou conter. Não cabe na democracia. Nunca coube. Nunca caberá.
O conjunto de tudo isso mostra, porém, que ele não tem nada de ingênuo. Ao contrário. É até muito esperto. Sempre se esquivando no que pode, deixa que outros se sujem por ele. Depois, abandona-os. Fez isso várias vezes, com várias pessoas. Numa palavra: Bolsonaro é covarde. Arrota valentia. Entretanto, depois de rugir como um leão, é comum miar com um gatinho.
Lembram daquele 07 de setembro de 2021, em ele que ameaçou o STF e Alexandre de Moraes, afirmando que não iria mais cumprir nenhuma ordem vinda do TSE? E então, o que aconteceu em seguida? Pediu socorro a Temer, um golpista experiente, e escreveu uma cartinha pedindo perdão.
Temos diante de nós um retrato preciso de Bolsonaro. Palerma. Covarde. E também perigoso. Muito perigoso. Floresceu à sombra de nossa democracia, mas só pode sobrevier parasitando-a, sangrando-a por dentro.
É hora de dar um basta nisso. Não tem mais razão de contemporizar. O bolsonarismo é incompatível com nosso sistema democrático. Uma parte sua vai para a cadeia e outra, para a lata de lixo da história. Nem pena. Nem raiva. É chegada a hora da justiça.
[1] Professor e pesquisador de Instituto Federal do Acre/Campus Cruzeiro do Sul. Autor dos livros Democracia no Acre: notícias de uma ausência (PUBLIT, 2014), Desenvolvimentismo na Amazônia: a farsa fascinante, a tragédias facínora (EDIFAC, 2018), A política da antipolítica no Brasil, Vol. I e II (EaC Editor, 2021) e Ciência, educação e política, Vol. I e II (EaC Editor, 2024).