Por Danilo Rodrigues do Nascimento
Fotos: Marcos Oliveira/Agência Senado, Pedro França/Agência Senado, Natalia Xac, Paulo Pinto, Fotografia da Agência Brasil
Por muito tempo a educação brasileira priorizou a representação dos povos nativos, como “índios”, “selvagens”, “incivilizados”, entre outros aspectos preconceituosos. O estudo dos povos indígenas tornava-se sem sentido, na medida em que não se conectava com as diversidades de línguas, linguagens, culturas e identidades dessas comunidades, fazendo com que os currículos educacionais não percebessem a importância de histórias, no plural, para a compreensão das questões atuais.
Os livros didáticos perpetuavam essa representação estereotipada e, por isso, coloriam detalhes de uma história individualista, indicando os supostos “heróis” do Brasil, ou seja, os povos nativos apareciam como “empecilho ao progresso e a ordem”, “sem lei, sem rei e sem fé”, “negros da terra”, entre outras formas preconceituosas. Essas narrativas quase sempre eram localizadas no aspecto dos possuidores do poder político, econômico, social e excluíam a visão dos sujeitos(as) construtores de histórias, menos favorecidos. Acreditava-se que os povos indígenas haviam desaparecidos ou foram assimilados a “cultura brasileira”. Na contramão desta ideia, a Lei 11.645/2008 foi aprovada pela Presidência da República, que “tornou obrigatório a inclusão de conteúdos de histórias e culturas das populações indígenas (e também dos afro-brasileiros e africanos) para alunos dos Ensinos Fundamental e Médio, de escolas públicas e particulares do país.”[i]
Esta Lei possibilitou a inclusão de temas e conteúdos nas matrizes curriculares, mas não desenvolveu novas disciplinas no ensino regular. O trabalho das histórias e das culturas indígenas, de tal modo afro-brasileira e africanas (a partir da Lei 10.639/2003), pode, pois, redimensionar e ampliar os conteúdos já trabalhados em disciplinas como Filosofia, História, Português, Sociologia, Artes, Matemática e Literatura. Observa-se, hoje, que depois de 14 anos de promulgação da Lei 11.645/2008, essa medida tem possibilitado muitas abordagens, que antes não eram apresentadas, discutidas e debatidas. Assim, ela trouxe à tona um panorama de contribuições das populações indígenas, e ao mesmo tempo mostrou que os nativos não desapareceram ou foram assimilados à sociedade brasileira, como a história do Brasil perpetuou. Porém, eles deixaram e deixam muitas contribuições na dita “História do Brasil”, mas que durante muito tempo foram silenciadas e marginalizadas em detrimento de uma construção histórica oficial.
Silvia e Costa[i] destacam que, “a promulgação da lei de 2008 tornou o ensino de história e culturas indígenas obrigatório na Educação Básica, especialmente em alguns componentes curriculares tais como História”. Contudo, as atividades pedagógicas ampliaram-se para outras áreas dos conhecimentos, e assim possibilitaram novas metodologias, pedagogias e temas na educação. “A Lei n.º 11.645/2008 exige que professores e alunos da Educação Básica no Brasil conheçam, reconheçam, aprendam, valorizem e divulguem a história e as culturas indígenas, mobilizando distintos conteúdos dos diversos componentes curriculares”[i].
A aprovação desta Lei foi construída a partir de um caminho tortuoso e cheio de desafios, os movimentos indígenas foram preponderantes na reivindicação da exclusão dos povos nativos da História, a fim de trazer temáticas e conteúdo em relação com uma rica contribuição dessas populações para além do 19 de abril (Dia do Índio). Esta Lei serviu para modificar as ideias que: “índios são todos iguais”, “índios não tem cultura”, “índios vivem na floresta”, entre outras falas preconceituosas. Na contramão destas ideias estereotipadas, os professores e alunos podem, a partir da Lei, buscarem novas ferramentas e atividades na desconstrução dessas ideias, e trazerem outras possibilidades de ensino-aprendizagem nas temáticas afro-brasileiras, africanas e indígenas.
O desafio na aplicação da Lei 11.645/2008 está a par com as questões metodológicas que envolvem o pensar e repensar as temáticas indígenas em uma dimensão interdisciplinar, como observa a professora Maria Regina Celestino de Almeida[ii]. Essas novas abordagens exigem do professor e do aluno um processo de desconstrução da representação do “índio”, que foi construída a partir de uma visão genérica. Hoje, é preciso destacarmos o “protagonismo indígena”[ii]
Os movimentos indígenas possibilitam novas perspectiva de trabalho interdisciplinar com as produções intelectuais dos povos nativos, por exemplo, o professor Gersem Baniwa trabalha a dimensão das escolas indígenas em suas diversas línguas e linguagens das comunidades, o ambientalista Ailton Krenak tem diversas produções de livros, como “Ideias para adiar o fim do mundo” [iii], “A vida não é útil”[iv], entre outras. A cantora Kaê Guajajara, por meio de sua voz, compõe músicas que trazem os processos de resistência, (re)existências e valorização dos territórios indígenas, como exemplo destacamos as seguintes músicas: “Território Ancestral”[1], “Mãos Vermelhas”[2], entre outras músicas. O professor e linguista Joaquim Maná (Huni Kui) é doutor pela Universidade de Brasília (UNB), com a tese intitulada “Para uma gramática da língua Hãtxa kuĩ” [v]. A líder indígena Sônia Bone Guajajara desenvolve uma luta incessante na defesa dos direitos dos povos nativos.
Portanto, a aplicação da Lei 11.645/2008 em uma perspectiva interdisciplinar, como destaca Fazenda[vi], “se definirmos interdisciplinaridade como junção de disciplinas, cabe pensar currículo apenas na formatação de sua grade. Porém se definirmos interdisciplinaridade como atitude de ousadia e busca frente ao conhecimento, cabe pensar aspectos que envolvem a cultura do lugar onde se formam professores”. Deste modo, uma “pedagogia engajada”[vii] e uma interdisciplinaridade ousada fazem-se necessária, pois deslocam e trazem para à sala de aula temas e temáticas, que eram marginalizadas. Mas, que a partir da Lei 11.645/2008 busca outras perspectivas de temas e temáticas no trabalho das questões afro-brasileira, africanas e indígenas.
Como resultado de todas as transformações educacionais apontadas até aqui, percebemos que os professores e alunos têm múltiplas perspectivas de trabalho com novas mídias, linguagens, fontes e materiais didáticos. Consequentemente, os professores precisam receber formações mais em par com as possibilidades do trabalho com à Lei 11.645/2008 nos seus planos de ensino. Dessa forma, o trabalho dos professores em sala de aula deve prezar e permitir que os alunos se aproximem dos conhecimentos indígenas e ampliem sua visão de mundo em par com a solidariedade, o respeito e a interação com as diversidades.
A formação de professores tem um papel importante na efetivação da Lei 11.645/2008 e o Ministério da Educação (MEC) deve buscar oferecer formações continuadas nas temáticas indígenas. Assim, como as Universidades brasileiras devem buscar o trabalho com a Lei 11.645/2008. Esses processos formativos devem se construir de forma coletiva e interdisciplinar com outros professores e com os alunos, que são parceiros na ampliação e melhoria da qualidade do ensino-aprendizagem.
Textos utilizados:
[i] SILVA, Giovani José da; COSTA, Anna Maria Ribeiro F.M. da. Histórias e culturas indígenas na Educação Básica. Belo Horizonte: Autêntica, 2018. (Coleção Práticas Docentes).
[ii] ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os Índios na História do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.
[iii] KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Editora: Companhia das Letras, 2019.
[iv] KRENAK, Ailton. A vida não é útil. São Paulo: Editora: Companhia das Letras, 2020.
[v] KAXINAWÁ, Joaquim Paulo de Lima. Para uma gramática da língua Hãtxa kuĩ. 2014. 322 f., il. Tese (Doutorado em Linguística) —Universidade de Brasília, Brasília, 2014.
[vi] FAZENDA, Ivani. O Que é interdisciplinaridade? — São Paulo: Cortez, 2008.
[vii] HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2017.
[1] Ouçam aqui: https://youtu.be/szzDJahvUS8. Acesso em: 26/06/2022
[2] Ouçam aqui: https://youtu.be/P9aAhuJLnt0 . Acesso em: 26/06/2022
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Doutorando e Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Letras: Linguagem e Identidade da Universidade Federal do Acre (PPGLI/Ufac). Bacharel em História e aperfeiçoado Uniafro: Política de Promoção de Igualdade Racial na Escola pela Ufac. Pesquisador do Laboratório de Interculturalidade (Labinter) e do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi/Ufac).