Por Gisele Almeida e Camila Holsbach
O ruído das máquinas de costura ecoa num ritmo constante, quebrando o silêncio opressor das grades. Não é o som doloroso do encarceramento, é a cadência de uma nova batida: a da criação, do refazer, da ressocialização. Na Unidade Prisional Feminina de Rio Branco, não é o ranger das celas que dita o tempo, mas o vaivém das agulhas. Em uma sala, ainda pequena, mas repleta de tecidos e carretéis coloridos, um grupo de mulheres costura um novo futuro, algo que parecia desfeito.
O projeto, uma iniciativa do Governo do Acre por meio do Instituto de Administração Penitenciária (Iapen), é um pilar da política de ressocialização e qualificação profissional do Estado. Ao fornecer as máquinas, insumos e a estrutura do ateliê, a gestão da unidade transforma o tempo de reclusão em profissionalização. A intenção, segundo a Direção de Reintegração Social, é reduzir a reincidência por meio da reinserção das apenadas na sociedade de forma produtiva.
A história de Osineide Acácio é a prova prática de que o projeto traz bons frutos. Ela ficou seis anos no sistema prisional, sendo quatro dedicados à costura; entrou sem saber nada de máquina e se tornou uma profissional requisitada. Hoje, ela está contratada em uma malharia no município de Sena Madureira, onde já trabalha há um ano e oito meses.
“Eu saí com uma profissão e eu exerço essa profissão aqui fora,” conta. “Consegui muitas coisas, consegui uma moto… tudo com o esforço do meu trabalho.”

Para ela, a costura foi uma libertação no mais amplo sentido da palavra. “É uma terapia! A gente não pensa em bobagens quando começa a costurar; a gente esquece do mundo, esquece dos problemas, esquece de tudo.”

Osineide reconhece, porém, o risco que a malharia correu ao contratá-la. Seu depoimento final é um desafio à sociedade: “Não é fácil a pessoa chegar e o empresário acreditar numa pessoa assim, porque o histórico da pessoa fica, né? Mas a pessoa tem que demonstrar que mudou. Não em palavras, mas sim nas atitudes.”
A Ressocialização Começa Aqui
Para J.S.P., detenta há cinco anos, o barulho das máquinas traz alívio. “A minha rotina aqui é maravilhosa,” diz ela com a voz carregada de uma satisfação recém-descoberta. “Às vezes, a gente passa o dia todo aqui. Só volta para a cela para dormir. E para mim é ótimo. Porque além de adquirir conhecimento durante o dia todo, a gente fica trabalhando. A gente esquece um pouco a cadeia em si e fica focada aqui no trabalho”.
A costura, que começou como uma forma de remir a pena, tornou-se uma espécie de terapia. J.S.P. afirma que chegou ao presídio com depressão. Hoje, após dois anos fazendo parte do projeto, afirma que o trabalho mudou, inclusive, a saúde mental:
“Depois que eu comecei a trabalhar aqui, eu não tenho mais depressão. Eu tenho a minha mente leve. Estou ótima.”

A ociosidade é uma verdadeira inimiga de quem precisa viver em cárcere, pois alimenta a ansiedade e a desesperança. A policial penal Evelyn Bastos, supervisora do projeto, é a guardiã dessa “rota de fuga” mental.
“Eu vejo que aqui no presídio feminino o maior problema delas é a mente, o psicológico,” explica Evelyn, que viu muitas mulheres sucumbirem à ansiedade. “Eu creio que elas trabalhando, ocupando a mente, isso alivia. Elas não ficam lá num lugar fechado e pensando bobagens.”
Bastos reitera que “está sendo muito gratificante fazer com que elas tenham uma perspectiva de mudança de vida e saiam realmente do mundo do crime e vivam uma outra realidade, uma outra situação diferente daquela que elas viviam antes”.

No ateliê, elas consertam a roupa dos próprios agentes, produzem lençóis, fardamentos e até ursinhos de pelúcia. Para J.R.A., 26 anos e com previsão de sair em 2028, o trabalho é a própria essência do dia:
“Aqui é a minha alegria. Saio da cela às 8h, venho pra cá. Às vezes, nós ficamos o dia todo… se eu pudesse, ficaria aqui direto”, diz em meio a um sorriso sincero.

A diretora da Unidade, Jamilia Silva, resume a filosofia do projeto: “Visa ressocializá-las!”. Ela fala ainda das perspectivas em relação a ação. “O principal objetivo é que elas tenham a oportunidade de sair dessa vida, sair desse contexto do crime, do cárcere e trazer pra elas uma oportunidade de renda, uma profissão e, com base nisso, pra que elas possam estar sustentando o seu lar, sua família, seus filhos. Isso é um compromisso do Estado, uma diretriz da nossa gestão.”, frisou.

A Esperança após a saída
O ofício da costura é um passaporte para a liberdade. A cada três dias de trabalho, um dia da pena é perdoado. J.R.A. já trazia o conhecimento de casa.
“Minha mãe tinha uma máquina lá fora e eu ajeitava as coisas, fazia roupa para a boneca. Aí eu costurava lá fora [do presídio].” Ao sair, ela sonha em montar um ateliê, concluir o ensino médio e fazer uma faculdade.

A história de J.S.P., que pretende montar o negócio com a mãe, ecoa o propósito de todas as participantes do projeto. Todas citam os filhos e a mãe como a “maior força” para não desistir.
“A mensagem que eu deixo é que não venham desistir dos seus objetivos e acreditar em si mesmo, acreditar é capaz de fazer algo em prol do próximo”.
Para as mulheres que ainda estão atrás dos muros do presídio, costurando em meio a zigue-zagues suas esperanças entre as grades, Osineide Acácio deixa a certeza de que a vida não acaba ali:
“Nesse lugar a gente pensa que é o fim, mas pode ser apenas o começo de uma nova e vitoriosa história.”




