O Dia da Consciência Negra, celebrado nacionalmente em 20 de novembro, marca um momento de reflexão sobre a luta histórica da população negra no Brasil. Mas, no Acre, os números mais recentes mostram que a data, que já passou, segue atual e necessária. De acordo com dados divulgados pela Segurança Pública e analisados por especialistas, o estado registrou mais de 200 casos de racismo e injúria racial nos últimos dois anos, com um avanço expressivo das denúncias em 2024.
Somente este ano, foram 155 registros, número considerado preocupante diante da população acreana. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2023 o Acre contabilizou 66 casos de injúria racial e 48 de racismo. Em 2024, foram 57 ocorrências de injúria racial e 98 de racismo, reforçando uma tendência de crescimento.
O advogado Charles Brasil explica a diferença entre os dois crimes, ainda pouco compreendida por parte da população.
“A injúria racial está direcionada a uma pessoa específica. Já o racismo é uma ofensa à coletividade, a um povo, a uma etnia, a um grupo religioso”, afirmou.
Racismo religioso e ataques a religiões de matriz africana
Entre os casos registrados no Acre, um dos tipos mais frequentes é o racismo religioso, especialmente contra religiões de matriz africana. Charles relata que já acompanhou episódios de xingamentos, hostilidade e até agressões.
“Há casos de pessoas que jogam pedras em terreiros e demonizam práticas religiosas africanas. Isso configura racismo e precisa ser combatido”, alertou.
Para ele, o Estado deve intensificar ações educativas e reforçar a importância da denúncia para que os agressores sejam responsabilizados.
Subnotificação permanece como um dos maiores desafios
A defensora pública Flávia Nascimento confirma que os números oficiais não refletem a realidade completa. Ela afirma que a Defensoria recebe inúmeros relatos de pessoas que sofreram discriminação, mas não registraram ocorrência formal.
“Muitas vítimas não se percebem como vítimas. Outras têm medo de retaliação. E algumas acham que denunciar não vai resolver. Isso gera um cenário grave de subnotificação no estado”, explica.
Para apoiar esse público, a Defensoria mantém atendimento especializado, principalmente para pessoas em situação de vulnerabilidade, incluindo negros, indígenas, mulheres e pessoas privadas de liberdade.
Flávia também reforça que o racismo no Brasil é histórico e estrutural.
“Foram mais de três séculos de escravidão e poucas políticas públicas após a abolição. As desigualdades persistem até hoje porque as estruturas sociais ainda são marcadas por esse passado”, conclui.
Como reunir provas e denunciar
O advogado Charles ressalta que é possível denunciar casos de racismo mesmo quando a vítima não consegue registrar o ato no momento. Provas como prints, vídeos, áudios, comentários e testemunhas são válidas e podem fortalecer o inquérito policial.
Ele reforça que a denúncia deve ser feita sempre que houver agressão verbal, discriminação em espaços públicos ou ataques motivados pela raça, cor, origem ou religião.
Um debate que precisa ir além do dia 20
Embora o Dia da Consciência Negra tenha sido celebrado recentemente, especialistas afirmam que o combate ao racismo deve ocorrer durante todo o ano. Os dados mostram que o problema é crescente, complexo e exige respostas mais amplas tanto do poder público quanto da sociedade.
A mensagem que fica, segundo Flávia e Charles, é clara: o silêncio protege o agressor e mantém a violência racial invisível. Denunciar é um passo essencial para reduzir a impunidade e fortalecer a construção de uma sociedade mais justa.
Com informações de Adailson Oliveira, para a TV Gazeta.



