Por: Andressa Queiroz da Silva
Comecei a escrever este texto após receber a notícia da morte de um querido conhecido e amigo de vários amigos em comum, Antônio Sávio, bacharel em História pela Universidade Federal do Acre – Ufac e que participou ativamente do movimento estudantil da universidade, colaborando para a criação da Atlética Perversa do curso de História e da Revista Eletrônica Discente do curso de História Das Amazônias.
A prematura e repentina morte de Sávio me trouxe agridoces lembranças e me fez pensar no mês em que estamos: setembro. Mês escolhido pela Associação Brasileira de Psiquiatria com o Conselho Federal de Medicina, em 2015, para a campanha de conscientização da saúde mental.
Assim, no presente texto, não tenho o atrevimento de trazer considerações conclusivas sobre o tema ou indicar a chave para a solução das questões sociais referentes a saúde mental. Portanto, o ponto central deste escrito é relacionar a o tema da saúde mental com a questão do racismo.
Frantz Fanon, psiquiatra e intelectual martinicano, denunciava desde a década de 1950 como o colonialismo ou o trauma colonial afeta psiquicamente negros e brancos, negros em sua inferioridade racial e busca de humanidade ao se aproximar do padrão branco, e o branco com sua superioridade racial. Décadas mais tarde, a psiquiatra e psicanalista Neusa Santos Souza aponta os reflexos do que Fanon denunciou na sociedade de classes do Brasil, afirmando que objetivando ser aceito na sociedade de classes a população negra buscavam ascensão social via mercado de trabalho, negando-se e rejeitando sua negritude. Ambos os intelectuais indicam como o racismo é fator significativo que impacta de maneira significativa a saúde mental de negros.
O Ministério da Saúde através da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra – PNSIPN reconhece o “racismo, das desigualdades étnico-raciais e do racismo institucional como determinantes sociais das condições de saúde” (Brasil, 2017, p. 24). Dessa forma, lidar com o legado de mais de 350 anos de escravização e as diversas formas de racismo cotidianos que são rotina na vida da população negra são causas para o cruel adoecimento mental que ao mesmo tempo culpabiliza os indivíduos que sofrem com as violências estruturais, institucionais e interpessoais cujo componente raça/cor é fator para afligir a população negra brasileira.
A relação entre capitalismo e racismo são multifacetadas, o sistema capitalista que estruturou as desigualdades raciais contemporâneas se manifesta nas relações sociais. As imposições do sistema capitalista – e racista – dos conceitos de sucesso, de “chegar lá”, mérito ou que a solução é a mudança de ‘mindset’ entre outras falácias desse sistema que objetiva o lucro pelo lucro afetam a saúde mental de milhares de negros brasileiros.
Para muitos de nós, o maior desafio é concluir o ensino básico e acessar o ensino superior, muitos de nós somos os primeiros da família ao acessá-lo e concluí-lo, ficando em nossos ombros o peso do “sucesso” e do desejo de “dar certo” para assim ajudar e dar orgulho aos familiares. Mas, após vencidos essas etapas chega a fase do acesso ao mercado de trabalho, que embora seletivo e excludente não é justo e democrático e que muitas vezes é regido pelo Pacto Narcísico da Branquitude (Bento, 2019) em que pessoa X da família tal conhece pessoa Y que é amiga da família e por este único fator consegue uma vaga de trabalho em um local.
O sentimento de apesar de todos os esforços e comprometimento de não conquistar determinados espaços hegemônicos de poder e lutar apenas pela sobrevivência afeta negativamente a saúde mental de vários de nós, que veem no acesso à educação uma via para a ascensão social, de serem aceitos pela sociedade e “escapar” do racismo. Mas, muitos de nós, como foi o caso de Sávio e tantos outros negros brasileiros, que não conseguem “chegar lá”, são vítimas da lógica progressista e neoliberal do Estado que não dá condições para nosso sucesso através de políticas públicas e que inclusive ver nossas conquistas como ameaça ao status quo.
Em uma sociedade em que somos obrigados a resistir para existir, lidar cotidianamente com o racismo é exaustivo, gostaríamos apenas de existir, porém em uma sociedade racista somos impelidos a estar em um estado vigilante. Uma forma de nos revigorar para prosperar diante de tal panorama é estar cercado de pessoas que compreendem a nossa realidade e estão disponíveis para se protegerem, formar quilombos foi a resposta encontrada pela população negra para resistir e reexistir às violências raciais perpetradas pelo Estado, afinal, a filosofia africana Ubuntu afirma “Eu sou, porque nós somos!”.
In Memoriam de Antônio Sávio.
Referências
BENTO, Cida. O Pacto da Branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: uma política para o SUS. 3. ed. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2017.
FANON, Frantz. Os condenados da Terra. Rio de Janeiro: Zahar, 2022.
SOUZA, Neuza Santos. Tornar-se negro: Ou As vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Zahar, 2021 [1983].




