Esse é o terceiro Dia dos Pais do casal que vive em São Paulo
“Ser pai é simplesmente uma complementação da vida. Nossa família é uma família como qualquer outra; as crianças parece que sempre estiverem com a gente”, assim é o sentimento dos papais cariocas Alexandre Assis, médico, de 51 anos e de Francisco de Assis, contador, de 52 anos. Eles são um casal homoafetivo inter-racial, juntos há 17 anos, que moram no interior de São Paulo, e decidiram há quase três anos adotar três irmãos, que viviam no município de Tarauacá, no interior do Acre.
A vontade de ser pai surgiu primeiro com Francisco, que sempre sonhou em poder vivenciar essa experiência. Diferente dele, Alexandre não tinha muito interesse, pois havia passado por um momento delicado relacionado a paternidade.
“A vontade de adotar surgiu com o meu marido. Ele sempre teve vontade de adotar, sempre teve vontade de ser pai. E obviamente, sabendo que se tratar de um homem gay, não existe outro caminho pra ser pai, sem ser adoção. Eu já fui pai pela via biológica e perdi meu filho com sete meses de idade. Ele nasceu com uma doença congênita e com sete meses de idade foi a óbito. Então acho que por conta disso, não tive mais interesse em ser pai durante um bom tempo, até que a gente ficou mais ou menos 12 anos de casados e juntos, resolvemos fazer esse processo de adoção”, explica o médico.
Eles contam que quando chegaram aos 12 anos de casados, perceberam que tinham uma vida “bacana”, e haviam viajado para muitos lugares. Dessa forma, aos poucos, o sentimento de que algo faltava para deixar a vida mais completa do casal, era cada dia mais nítido.
“A gente entende que ter filhos é complementar a felicidade. Com as crianças, a alegria, a responsabilidade de cuidar, de estar juntos, de dar amor, distribuir aquilo que a gente acumulou na vida. A gente tem uma vida muito bacana de empresários, nós viajamos muitos nos primeiros 12 anos, fizemos tudo o que queríamos e estava na hora de criar um passo mais mais profundo. Então foi assim que surgiu essa vontade de adotar”, afirma Alexandre.

Processo de Adoção
O casal conta que o planejado era adotar dois meninos, através da Busca Ativa – um formato bastante utilizado no Brasil para as crianças que estão fora do perfil para adoção. “Crianças mais velhas, negras, de outros grupos de irmãos . No Brasil, infelizmente a adoção é focada ainda nos padrões básicos – que são bebês, de até dois anos menina, sem irmãos e sozinhas. Esse é o desejo do brasileiro, adotar uma menina branca de até dois anos”, explica Assis.
Mesmo sabendo que muitos papais seguem esse determinado perfil, o casal decidiu ficar fora dos padrões que a maioria busca. Pois para eles, o mais importante, não era quais cores, idades, se teriam irmãos ou não, porém, era saber que eles seriam amados.

“A partir dos seis anos de idade, as chances de serem adotados ficam muito menores, após os seis anos, até uma criança com sete, tem muitas dificuldade de ser adotada. Então os nossos filhos têm essa essa idade e eram de um grupo de quatro irmãos biológicos. Além dos nossos três, tem uma menina caçula, que hoje está com seis anos”, relembra um dos pais.

Eles contam que haviam combinado com uma pessoa do grupo de adoção que ela ficaria com duas meninas e eles com dois meninos, porém, no meio do processo, a mulher desistiu. Apesar do fato ter ocorrido, uma amiga próxima deles, chamada Luciana, afirmou que adotaria uma menina.
“O perfil dela era pra uma criança e menor, então, a gente acabou dividindo diferente. Nós ficamos com os três mais velhos e essa nossa amiga que é a Luciana, ficou com a Tatá que é a caçulinha e nós fizemos uma grande família de sete pessoas, porque é uma ação compartilhada – quando a gente se compromete a manter o vínculo entre os irmãos, apesar de estarem em famílias diferentes. Luciana mora em São Paulo ainda, mas a gente se vê praticamente toda semana a gente se fala o tempo todo, fazemos muitas coisas juntos”, diz Alexandre.
6 de setembro de 2019
No dia 6 de setembro de 2019, foi o dia em que Francisco teve o primeiro contato com os pequenos Dudu, Gabi e Maria Antônia – assim são chamados carinhosamente pelo casal. Enquanto, a amiga, Luciana tinha também as primeira experiências.
Todo o processo foi feito através da Busca Ativa, que conseguiu realizar o contato dois pais com a chefe de psicologia, Rutelena, que hoje é madrinha da Maria Antônia. Dessa forma, para facilitar o encontro, a profissional fez todo o contato com eles.
“A gente combinou tudo, soubemos mais sobre as crianças, trocamos fotos, vídeos, contatos de telefones durante um período. No dia 06 de setembro, a gente foi para o Acre, para encontrar as crianças, então quando começou o processo de aproximação, em Rio Branco. a Luciana com a Tatá e o Francisco com o Gabriel, Eduardo e Maria Antônia. Foi muito bacana a aproximação, começamos a criação dos vínculos”, conta Alexandre.
Em seguida, os pais levaram a criança para a casa, com uma guarda provisória de três meses e durante esse período, a chefe de psicologia, ia para São Paulo e acompanhava eles em momentos importantes para a maior interação.
“Tivemos o acompanhamento de psicóloga contratada para cada criança, o acompanhamento nas escolas, além do passado difícil, de abandono, de maus-tratos, tínhamos a também uma questão de analfabetismo, os três chegaram praticamente analfabetos, tínhamos um desafio pedagógico”, relembra o médico.

Desafios vencidos
Apesar do casal ter passado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e uma psicóloga no processo de adoção, que segundo eles foi “tranquilo”, um dos primeiros desafios que o casal teve que enfrentar, foi com uma assistente social do Estado, que mesmo após ter realizado todas as visitas na casa, demorava para dar a respostas aos pais.
“No serviço social, a gente teve problemas – uma dose de preconceito. E isso causou certo constrangimento, infelizmente a gente viu que a assistente social prorrogou o máximo que pode o nosso laudo. Ela não tinha o que dizer, pois fez visita nessa casa e todas entrevistas. Ficou prorrogando o laudo por três vezes consecutivas, até que fiz uma reclamação no fórum e protocolei pra juíza uma reclamação e a juíza exigiu que ela se manifestasse imediatamente e ela se manifestou, dando o laudo positivo”, afirma Alexandre.
Eles explicam que desde do início da adoção, até o momento em que eles estava em casa, ainda foram vítimas de críticas de diversas pessoas próximas.
“Ouvimos muitas criticas, a gente teve preconceito no período no processo de adoção, por parte de técnicos de adoção, a gente já ouviu muitas críticas da própria família, muitas pessoas , infelizmente. Muito preconceito em relação a isso. Sentimos um pouco mais esse preconceito em São Paulo, já no interior a gente sente menos”, explica os pais
O último episódio mais recente, foi na escola no meio de uma reunião pedagógica, pois muitas crianças da turma do três irmãos estavam com problemas no desempenho escolar. E uma mãe quis justificar esse impasse de uma forma que o casal não esperava ouvir.
“Ela falou que a turma ia mau porque tinha muita inserção: crianças adotadas, crianças afro-indígenas, com Síndrome de Down. Minha filha é indígena, o Dudu é um pouco menos, mais clarinho, mas o cabelo cacheado, já os outros dois tem uma característica bem forte indígena. Vivenciamos essas questões e precisamos estar preparados para fortalecer as crianças e vamos ter que viver com isso. Temoa tratado isso com as crianças”, conta Alexandre.

Apesar dessas adversidades, preconceitos, impasses, os pais seguem firme com os sonhos em poder ensiná-los a não seguir por esses caminhos. E como uma forma de celebrar esse momento especial, os papais deixam uma mensagem de carinho, mostrando a importância dessa data para eles:
“Ser pai pra gente, tem um duplo significado, da paternidade em si, que pode ter um significado para todos os pais, além disso, é aquela coisa da importância de cuidar, de prover, da importância de quanto a gente se sente completo enquanto ser humano, quando tem aquele serzinho que depende da gente, que vamos viver a nossa vida dedicada a eles. Para gente tem um duplo significado, que é enquanto casal homoafetivo inter-racial – também vem sendo contemplado os nossos Direitos Humanos. Sem nenhuma restrição. O fato sermos um casal homoafetivo, o fato de sermos um branco e um preto, não pode restringir a nossa qualidade de vida, as nossas escolhas, tudo que a gente pode ter acesso. E a paternidade é uma delas, a paternidade é um direito nosso”, finalizam.
Papais do Dudu, Gabi e Maria Antônia.