Por: Tatiana Martins
No Brasil, a legislação penal tem sido interpretada por muitos como uma forma de silenciar vítimas de violência e assédio. Isso porque, mesmo que o fato seja verdadeiro e comprovável, expor publicamente o agressor pode resultar em processos criminais e cíveis.
Sim, é isso mesmo. Ao atribuir a alguém um fato ofensivo à sua reputação — como assédio ou agressão —, ainda que verdadeiro, você pode ser enquadrada no crime de difamação, previsto no artigo 139 do Código Penal. Isso ocorre porque, diferentemente da calúnia, esse tipo penal não admite a exceção da verdade (em latim, exceptio veritatis).
Essa previsão legal busca evitar os chamados “linchamentos virtuais” ou “assassinatos de reputação”, fenômenos em que uma pessoa é condenada pela opinião pública antes mesmo de passar por um processo legal. Em tempos de “juízes da internet”, essa dinâmica pode ser devastadora.
O caminho legal e os desafios enfrentados
O ideal, portanto, é registrar a denúncia em uma delegacia e buscar apoio nos centros de atendimento à vítima, que oferecem suporte jurídico e psicológico por meio de órgãos públicos ou entidades privadas.
No entanto, sabemos que muitas vítimas não se sentem encorajadas a procurar os canais oficiais. O medo de não serem levadas a sério, de serem culpabilizadas ou desacreditadas — especialmente quando o agressor é influente ou tem alto poder aquisitivo — faz com que o silêncio prevaleça.
Mesmo assim, é inegável o papel transformador da vítima que rompe o silêncio e compartilha sua experiência publicamente. Isso pode fortalecer outras denúncias e encorajar outras pessoas a buscar justiça. Infelizmente, em muitos casos, as autoridades só se mobilizam após a repercussão nas redes sociais ou na mídia.
Os riscos da exposição virtual
Diante desse cenário, muitas vítimas recorrem às redes sociais por desespero ou desconhecimento da lei. Mas é importante alertar: expor o agressor na internet pode gerar consequências jurídicas graves, inclusive ações movidas pelo próprio autor da violência, ou seja, de vítima você passa a agressora.
Por isso, ao relatar o caso nas redes, evite citar nomes ou qualquer informação que torne o agressor identificável. As provas — como prints, mensagens e testemunhos — devem ser encaminhadas ao processo legal, e o apoio deve vir de profissionais especializados, não deve a vítima esperançar acolhimento nos comentários de sua postagem.
Mesmo que você fale de forma genérica, se o agressor for reconhecível, ele pode usar isso para lhe retaliar judicialmente, invertendo os papéis e transformando a vítima em ré.
O papel da imprensa e a importância da denúncia responsável
A imprensa, por sua vez, exerce um papel fundamental. Com o dever de sigilo de fonte, ela pode divulgar casos que não estejam sob segredo de justiça, contribuindo para o debate público, fomentando novas denúncias e encorajando outras vítimas. Mas isso deve ser feito com responsabilidade — educando a população sobre os canais oficiais de denúncia, e não promovendo linchamentos virtuais.
A realidade das vítimas
Mesmo ao seguir os caminhos legais, as vítimas ainda enfrentam retaliações, ataques pessoais e descredibilização — muitas vezes por parte de quem deveria acolher e investigar. São acusadas de oportunismo, desacreditadas e desestimuladas.
E quando se expõem nas redes, a situação se agrava: ameaças, ataques de haters e processos judiciais tornam o ambiente virtual um espaço hostil, imensamente longe do acolhimento esperado.
Conclusão
Diante da legislação atual e da forma como a internet trata as vítimas, o mais seguro é buscar apoio exclusivamente pelos canais oficiais e por profissionais qualificados. A internet, infelizmente, está repleta de julgamentos precipitados e sensacionalismo, e não oferece o ambiente ideal para quem precisa de escuta, proteção e justiça.

Tatiana Karla Almeida Martins é advogada desde 2003, pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil e Ciências e Legislação Trabalhista, atual presidente da AMJ e Membro consultiva da Comissão Nacional de Combate a violência doméstica da OAB, proprietária da Martins Sociedade Individual de Advocacia desde 2008.




