No ano de 2007, fui convidado pelo Prof. Dr. Carlos Alberto Alves de Souza para fazer parte de seu projeto de pesquisa na BR – 364, de Sena Madureira à Cruzeiro do Sul, sob o título Meninos da Poeira: História, cultura e educação entre os moradores da BR – 364, de Sena Madureira à Cruzeiro do Sul – Acre. O que realizamos visava um olhar diferenciado, abordando história de vida e experiências profissionais dos professores e moradores, incluindo o processo educacional que estava sendo desenvolvido por professores da área rural na região da rodovia.
As primeiras viagens que fiz junto com o Carlos Alberto na BR – 364, saindo de Rio Branco, passando por vários municípios de nosso Estado como (Bujarí, Sena Madureira, Manoel Urbano, Feijó, Tarauacá, Rodrigues Alves e por fim, Cruzeiro do Sul), todos esses municípios circunda ou margeiam essa rodovia federal dentro do Acre. As viagens iniciais foram bastante emocionantes, pois o trajeto da estrada de Sena Madureira à Cruzeiro do Sul, era totalmente na “tabatinga” (barro batido), não existindo praticamente asfalto, exceto entre Feijó e Tarauacá no ano de 2007, com aproximadamente 46 km, fazendo uma ligação entre essas duas cidades do Acre, mas que ficavam isoladas por via terrestre na época do chamado “inverno amazônico” em direção à capital do Estado.
Durante o ano de 2007, tive a oportunidade pela primeira vez de viajar pela BR – 364 de Rio Branco até Cruzeiro do Sul, apesar de já ter conhecido as cidades do Vale do Juruá, tais como Feijó, Tarauacá, Mâncio Lima, Rodrigues Alves e Cruzeiro do Sul, todas por via aérea. Entretanto, foi naquele ano que conseguir conhecer todo o percurso por via terrestre. Oportunidade essa que fiquei maravilhado e encantando com os seus moradores, pessoas simples em sua maioria e que têm uma vida cotidiana voltada para o plantio familiar (roçado), o cuidado com algumas reses, a coleta de alguns produtos da floresta (seringa e óleos vegetais). Uma vida cotidiana não muito diferente do restante da região amazônica.
A partir dessa primeira viagem, pude perceber de perto como era a vida desses sujeitos sociais nos vários espaços ao longo da rodovia, o formato de suas moradias, a vida escolar e suas perspectivas de futuro, a linguagem utilizada, o “roubo” de mulheres para viverem juntos ou casar com outros sujeitos da colocação mais próximas, as caçadas de animais da região, a pesca em igarapés, lagos e rios, as lendas e mitos contados por esses moradores, dentre as quais sobressai a do Mapinguari e de velhos que se transformam em lobisomem em tempo de lua cheia. Esses modos de viverem, expressam a tradição de vários lugares não só do Acre, mas praticamente de quase toda a região amazônica.
Nessa primeira viagem, percebi que entre os moradores existe uma certa relação de ajuda mútua, uma vida “cheia” de integração, apesar da distância de uma moradia para outra. É uma situação de necessidade na qual vão brotando certas relações sociais de uns com os outros, em várias atividades da vida diária daqueles sujeitos sociais.
No período de 2007 a 2010, eu e Carlos Alberto fizemos aproximadamente doze viagens pela BR – 364, observando o início dos trabalhos de ampliação das margens da rodovia, o que causou vários transtornos em um grande espaço, com o desmate e a derrubada de grande quantidade de árvores, afetando não só o homem que habitava a estrada, mas todo um bioma da região ao longo da rodovia. Sentimos várias reações dos moradores com a chegada da modernidade tão decantada pelo governo do Acre, naquele momento, onde fora asfaltados alguns trechos: parte dos moradores ficaram extremamente felizes com a possibilidade de fácil acesso à capital do Estado (Rio Branco); outros tiveram que abandonar suas antigas moradias por causa da ampliação das margens da rodovia, migrando para outros espaços e até mesmo para as periferias dos municípios mais próximos, além de outras que vieram para a cidade de Rio Branco.
Nesse período que estávamos na pesquisa ao longo da BR – 364, notamos o quanto o projeto de modernização do governo federal em conjunto com o estadual para a região acenou para uma perspectiva de interiorização do sistema capitalista, visando a romper com as velhas e estabelecidas relações sociais postas para os moradores de regiões consideradas sem desenvolvimento, intensificando assim sérios conflitos pela posse da terra e da própria sobrevivência de seres humanos que vivem e viveram como posseiros por gerações nesses espaços.
A partir do asfaltamento da BR – 364 e a chegada da energia elétrica ao longo da rodovia onde fazíamos as pesquisas, existem grandes possibilidades para um processo de expansão da pecuária ou agricultura, podendo provocar uma brusca substituição das relações sociais existentes (costumes e tradições) por relações cada vez mais mercantis e, consequentemente, a perda de pequenas e médias propriedades para o grande capitalista. Nessas condições, o surgimento de resistência à esse processo, deverá ser (e isso já vem ocorrendo) resultado da ação de entidades ligadas ao homem do “campo” na região da rodovia.
Portanto, esse período de pesquisa em conjunto com o Carlos Alberto foi fundamental para entender na prática fazer a chamada história oral a partir das histórias de vida dos moradores e de suas experiências profissionais de professores/as, certamente, foi uma extraordinária e rica experiência de troca de conhecimentos do cotidiano dessa população que habitava e trabalhava ao longo dessa rodovia.
Euzébio de Oliveira Monte – Mestre em História do Brasil pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Especialista em História da Amazônia pela Universidade Federal do Acre (Ufac). Licenciado em História pela Ufac. Professor de História da Amazônia no Curso de Licenciatura em História da Ufac.
