A Lei Estadual Complementar nº 364, de 03/12/2019 trouxe alterações que impactam diretamente na pensão por morte, inclusive para viúvas. A nova fórmula da previdência prometeu ser a régua que alinha receita e despesa. A pensão vitalícia não é mais garantida automaticamente, como era antes da reforma, agora só se ela tiver 44 anos ou mais na data do falecimento do servidor e desde que ele tenha pelo menos 18 contribuições mensais e que o seu casamento ou união estável tenha mais de 2 anos!
Em resumo, olhe para seu companheiro (servidor público) e peça: “espere eu completar 44 anos pra morrer hein.” Ufa, ao menos desta condicionante eu já escapei!
Assim, ME DÊ UM TEMPO PARA MORRER, não é apenas uma queixa; é uma provocação a você leitor. É o grito irônico de quem olha para a promessa de proteção social e encontra um bilhete social com prazo de validade. Enquanto a reforma veste a linguagem da racionalidade fiscal, oferece às viúvas — e sobretudo às mulheres que já ganham menos — um calendário para a insegurança: há uma idade, uma carência de contribuição e de relacionamento para se garantir uma proteção em provisão temporária.
A retórica do “equilíbrio” tem sido usada para aparar benefícios visíveis, ao mesmo tempo em que se preservam os benefícios invisíveis quais sejam: as isenções, terceirizações e favores que corroem a arrecadação. É sobre a contradição entre austeridade seletiva e regalias bem cronometradas; sobre como a conta pública nunca fecha porque alguns têm permissão para surrupiá-la. Segura a respiração, leitor: a piada é amarga, e o seu prazo está correndo.
O corte não foi nada democrático: recai com mais crueldade sobre quem já ganha menos. Mulheres, que seguem recebendo salários menores simplesmente por serem mulheres, agora também veem sua segurança financeira virar algo sujeito a uma tabela etária. Reduzir o benefício para quem já começa com menos é uma equação difícil de justificar fora do reino da má-fé política.
A justificativa oficial é austeridade: equilibrar a conta da previdência pública. A realidade prática, porém, é um festival de contas paralelas. Ao mesmo tempo em que o Estado aperta um nó no pescoço da remuneração futura, abre as portas para contratos terceirizados, regalias e incentivos fiscais que drenam arrecadação e transferem riscos para o setor público. Empresas privadas celebram a flexibilidade; o sistema público arca com aposentadorias e pensões que continuam a crescer. Ou seja: corta-se do lado onde é visível cortar, enquanto o cofre principal é furtado com autorização de quem deveria fiscalizar.
E se você acha que isso é só economia sem cor, pense nas recentes isenções e benefícios generosos que, bem na hora certa, soam mais como manobras eleitorais do que como política pública responsável. Isentar empresários, alongar prazos e distribuir vantagens
pontuais é uma engenharia que reduz a base de arrecadação — e depois nos perguntam por que o déficit persiste. A conta fica sem fechar porque os termos do problema mudam sempre que um interesse político “meu eleitor”.
O que falta, enfim, é coerência entre objetivo e método. Há alternativas que poderiam buscar justiça e sustentabilidade ao mesmo tempo: tributar melhor lucros que hoje escapam de forma criativa; recompor faixas de contribuição progressivas; combater a precarização através da regulação efetiva das terceirizações; e tratar desigualdade salarial como variável central, não como efeito colateral. Em vez disso, receitamos cortes que atingem, sobretudo, quem tem menos voz no mercado e menos força política — e chamamos isso de “arrumação das contas”.
Rir (ou chorar) dessa novela é saudável, mas não basta. Há clara contradição entre discurso e prática, entre o prometido e o executado. O fato é que não teremos previdência sustentável sem justiça social; e não haverá justiça social se as medidas apenas deslocarem os custos para os ombros já curvados pela desigualdade.
Querem equilibrar as contas? Comecem por quem lucra com a instabilidade e com as brechas do sistema, com a alta sonegação. Enquanto isso não acontece, a “conta que não fecha” seguirá sendo o maior capítulo da nossa tragicômica gestão pública.




