Eminentes consumidores!
No texto de hoje vamos falar sobre a aquisição e a ingestão de alimentos contendo corpos estranhos e suas consequências jurídicas. O tema é muito interessante.
É relativamente comum que adquiramos um produto alimentício – qualquer que seja ele – e alimentos estranhos estejam presentes em sua composição. Por exemplo: um pacote de arroz contaminado por fungos ou ácaros; um hamburguer contendo pedaços de insetos… a jurisprudência dos tribunais já viu de tudo!
De antemão precisamos saber que o consumidor exposto a esta situação tem sua vida e saúde colocadas em risco, pois a ingestão de alimentos contaminados pode causar doenças e até mesmo a morte. Sendo assim, por mais que o tema seja cotidiano, nem por isto deixa de carregar consigo certa gravidade jurídica, principalmente porque vida e saúde são dois dos principais direitos que temos. O próprio Código de Defesa do Consumidor tutela com primazia a vida, saúde e segurança do consumidor (art. 6º, I) no capítulo que trata dos “direitos básicos”.
Pois bem.
Dentro deste contexto, o consumidor que adquire um produto alimentício com corpo estranho tem direito a uma compensação (indenização)?
Eis o X da questão.
O que você acha?
Bem, até abril de 2021 a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça era vacilante, com opiniões e posicionamentos divergentes.
A 4ª Turma do STJ, órgão colegiado que congrega alguns Ministros, entendia no sentido de que somente fazia jus à indenização o consumidor que tivesse ingerido o produto impróprio ao consumo. Por exemplo: se o consumidor tivesse adquirido um pacote de biscoitos contaminado e tivesse engolido seu conteúdo neste caso (somente neste caso) faria jus à indenização. O motivo? Fácil! Sua vida e saúde foram efetivamente colocadas em risco.
Mas e o consumidor que comprou, mas não ingeriu o tal produto? Este não tinha direito a nada, somente – claro – a troca do produto. Para os Ministros a simples aquisição de produto contaminado sem sua ingestão configuraria um “mero dissabor[1]”.
A 3ª Turma entendia diferente: para os Ministros que a compõem bastaria a aquisição de produto contaminado para que o consumidor fizesse jus à indenização. E por quê? Na visão deles, a simples aquisição já é suficiente para expor à risco efetivo o direito à dignidade, vida e a saúde[2].
Pendia a questão de pacificação. Qual entendimento prevaleceria? Qual você acha mais de acordo com a realidade?
Bom, em agosto de 2021 a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, órgão que reúne ministros da 3ª e 4ª Turmas, decidiu que a segunda corrente deveria prevalecer. Consignou-se que:
- A aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho expõe o consumidor à risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo. Logo, isso enseja o direito de o consumidor ser indenizado por danos morais, considerando que há ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.
- A simples comercialização de produto contendo corpo estranho possui as mesmas consequências negativas à saúde e à integridade física do consumidor que sua ingestão propriamente dita.
- Existe, no caso, dano moral in re ipsa porque a presença de corpo estranho em alimento industrializado excede aos riscos comumente esperados pelo consumidor em relação a esse tipo de produto, caracterizando-se a situação como um defeito do produto, a permitir a responsabilização do fornecedor. STJ. 2ª Seção. REsp 1.899.304/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/08/2021.
Com isto, pacificou-se a questão: o consumidor que adquire produto impróprio para consumo não precisa ingeri-lo para fazer jus a indenização, pois o prejuízo, neste caso, é presumido.
É isso, meus caros.
Ao final deste texto, sempre é oportuno lembrar que para que os direitos permaneçam fortes e exercitáveis precisam ser objeto de utilização responsável, de acordo com o princípio basilar da boa-fé.
Até o próximo texto!
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[1] STJ. 4ª Turma. AgInt no AgInt no REsp 1814761/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/04/2021.
[2] STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1764400/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 16/08/2021.