Com a proximidade das férias de meio de ano, surgiu a ideia de publicar sobre os consumidores em viagem. Ou seja, nas relações com companhias aéreas, serviços de hospedagem e empresas de intermediação de vendas de produtos e serviços.
Assim, pelas próximas semanas, abordaremos na nossa coluna diversas situações frequentes para os viajantes, bem como os direitos que eles possuem, começando pelo Direito de Arrependimento.
O Direito de Arrependimento aqui mencionado é uma garantia prevista no ordenamento jurídico que autoriza o consumidor a desistir, sem quaisquer ônus, sejam taxas ou multas, de uma contratação que ele fez, independentemente da concordância da empresa fornecedora de produtos ou serviços, desde que o faça dentro do prazo legal.
Mas e qual é o prazo legal? Bem, aqui alguns esclarecimentos precisam ser feitos, primeiro em relação a passagens aéreas, devemos levar em consideração o artigo 11 da Resolução/ANAC nº 400, de 13 de dezembro de 2016.
1. Das passagens Aéreas
2. Direito de Arrependimento pela Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC
Pela Agência Nacional de Aviação Civil, “o usuário poderá desistir da passagem aérea adquirida, sem qualquer ônus, desde que o faça no prazo de até 24 (vinte e quatro) horas, a contar do recebimento do seu comprovante” e que a compra tenha sido realizada com antecedência igual ou superior a 7 (sete) dias em relação à data de embarque.
Nesse caso, as exigências são: i) antecedência mínima de 7 (sete) dias para a data de embarque; e ii) que o arrependimento seja manifestado no prazo de até 24 (vinte e quatro) horas, contado do recebimento do comprovante.
Para a ANAC pouco importa se a compra foi feita pela internet ou direto no balcão da companhia aérea ou empresa de turismo.
Geralmente as empresas não dificultam o cancelamento ou a devolução dos valores pagos quando o Direito de Arrependimento é exercido nos prazos previstos pela ANAC, inclusive muitas companhias disponibilizam a opção de cancelamento no próprio site com o estorno do pagamento em poucos dias, quer tenha sido feito por Pix ou por Cartão de Crédito.
3. Direito de Arrependimento pelo Código de Defesa do Consumidor
Além da Resolução/ANAC nº 400/2016, o Direito de Arrependimento aplicável às companhias aéreas também encontra previsão no art. 49, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor – CDC, que prevê a possibilidade de o consumidor desistir do contrato, no prazo de 7 (sete) dias, contados da aquisição, sempre que a contratação tiver sido realizada fora do estabelecimento comercial da empresa, especialmente por telefone e internet.
Assim, o Direito de Arrependimento previsto no Código de Defesa do Consumidor exige: i) que o arrependimento seja manifestado em até 7 (sete) dias da contratação; e ii) que a compra tenha sido feita fora do estabelecimento comercial da empresa.
Portanto, já notamos algumas diferenças em relação à regra prevista pela ANAC, pois o CDC garante prazo maior para se arrepender da contratação, 7 (sete) dias, contra 24 (vinte e quatro) horas; não prevê antecedência mínima em relação ao embarque; mas, em contrapartida, exige que a contratação tenha sido feita fora do estabelecimento comercial da empresa, o que não é exigido pela resolução da Agência Nacional de Aviação Civil.
Além disso, as companhias aéreas nem sempre cumprem o Código de Defesa do Consumidor, sob a alegação de que a elas só se aplica a Resolução/ANAC nº400/2016.
Dessa maneira, quando a desistência está de acordo com o CDC, mas não com a Resolução/ANAC nº400/2016, muitas empresas se recusam a fazer o cancelamento da compra com a devolução do dinheiro e nesses casos é necessário ingressar em juízo para obrigá-las a cumprir com a determinação legal sem qualquer ônus, prejuízos, taxas ou multas para os consumidores.
Ainda que algumas empresas não procedam ao cancelamento de forma gratuita e facilitada em respeito ao Código de Defesa do Consumidor, os Tribunais de Justiça dos diferentes estados da federação sempre julgam em favor dos viajantes, aplicando a legislação consumerista, portanto, são ações com altíssimo índice de vitórias para os usuários que, eventualmente, ainda recebem indenizações por danos morais pelas dificuldades injustas impostas pelas empresas para cancelar a contratação.
4. Do Direito de Arrependimento para Outros Serviços e Produtos
É importante informar que o Direito de Arrependimento previsto na Resolução/ANAC nº 400/2016 só se aplica a passagens aéreas e seus acessórios – como bagagens, marcação de assento e afins –, mas o Código de Defesa do Consumidor incide sobre todas as relações em que há um fornecedor e um consumidor, entendido como usuário final do serviço ou produto.
Assim, para além de passagens aéreas, o CDC se aplica, ainda, à aluguéis de veículos, passagens rodoviárias, hospedagens, pacotes turísticos, eventos artísticos e culturais, entre vários outros, inclusive à compra de produtos variados pela internet, como eletrônicos, vestuário, alimentos, bebidas e afins.
Aqui cabe uma ressalva, no caso de produtos que devem ser encaminhados para o consumidor, o prazo para arrependimento não inicia no momento da compra, mas sim na data de entrega no endereço indicado, ou seja, após receber o produto, o cliente pode, no prazo de 7 (sete) dias, devolvê-lo, independentemente de qualquer justificativa, recebendo de volta todos os valores pagos, inclusive com frete.
5. Da Restituição de Multas e Taxas cobradas indevidamente pela Desistência do Consumidor
Por fim, em alguns casos o consumidor pode ser obrigado, pela própria urgência em solucionar a situação, a pagar, injustamente, taxas ou multas para cancelar determinados serviços ou produtos, e esse pagamento autoriza que se busque o ressarcimento dos valores judicialmente, quando a cobrança tiver acontecido dentro do prazo de arrependimento previsto no Código de Defesa do Consumidor.
Agora, devidamente informado, o leitor pode ficar tranquilo e planejar melhor suas viagens e compras, sabendo que tem o direito de se arrepender de um contrato firmado à distância, independentemente da razão, sem a obrigação de arcar com qualquer taxa ou multa.
Para dúvidas e mais esclarecimentos, entre em contato por e-mail ou pelas redes sociais.
Agradecimentos ao leitor e amigo, Alberto Tapeocy, pela sugestão do tema.
Referências:
(TJ-SP – AC: 10255942420218260564 SP 1025594-24.2021.8.26.0564, Relator: Fernando Sastre Redondo, Data de Julgamento: 18/04/2022, 38ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/04/2022).
(TJ-PR – RI: 00235770320178160030 PR 0023577-03.2017.8.16.0030 (Acórdão), Relator: Juiz Nestario da Silva Queiroz, Data de Julgamento: 20/04/2020, 1ª Turma Recursal, Data de Publicação: 22/04/2020)
(TJ-GO – Apelação Cível: 01488673520188090051 GOIÂNIA, Relator: Des(a). ITAMAR DE LIMA, Data de Julgamento: 23/02/2021, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 23/02/2021).
(TJ-RJ – APL: 00978332520148190001 RIO DE JANEIRO CAPITAL 31 VARA CIVEL, Relator: PETERSON BARROSO SIMÃO, Data de Julgamento: 28/02/2018, TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/03/2018).