Tornou-se pública na sexta-feira passada, dia 21, por meio de ampla divulgação nos diversos veículos de comunicação, uma investigação coordenada pela Polícia Civil do estado do Acre que envolve fatos sobre atos de corrupção relacionados ao pagamento de “precatórios”.
A Polícia Judiciária efetivou o cumprimento de mandados judiciais de busca domiciliar em vários imóveis situados nos estados do Acre e do Mato Grosso do Sul, com o objetivo principal de coletar novos elementos probatórios para a investigação.
A operação denominada “Status Debitum” – ou “situação da dívida”, seria apenas mais uma das inúmeras deflagradas para combater a corrupção em nosso estado, contudo as profissões e funções exercidas pelos investigados, além dos exorbitantes valores supostamente auferidos irregularmente, chamaram a atenção do povo acreano, e, de forma paralela, determinaram a já recorrente “politização da investigação”.
Em nosso texto publicado no site agazeta.net intitulado de “A operação “Mitocôndria” e o oportunismo da política” destacamos inúmeras considerações sobre o fenômeno de “politização da investigação” e seus efeitos no processo de punição estatal.
Mas o que a primeira fase da investigação sobre a suposta “Máfia dos Precatórios” tem de particular em relação às demais investigações “politizadas”? Será que a investigação realmente vai conseguir efetivar a punição dos envolvidos ou apenas é mais uma peça do quebra-cabeça do “jogo político”?
Algumas investigações que envolvem figuras públicas são revestidas de situações que fogem do senso comum, principalmente quando ocorrem na esfera estadual. Haja vista a interferência direta do poder executivo responsável por nomear a bel-prazer os dirigentes dos órgãos integrantes do sistema de segurança pública, mantendo-se assim o controle dos interesses de natureza obscura.
A falta de autonomia total, bem como de garantias absolutas para os integrantes das Polícias Judiciárias no Brasil, é um dos principais fatores que proporciona uma verdadeira “promiscuidade política” culminando com a falta de credibilidade de instituições e seus atos.
Quando se fala em promiscuidade é importante destacar ainda os interesses particulares de todos os envolvidos nas investigações politizadas, inclusive de alguns profissionais que desrespeitam a ética e os deveres institucionais – legais como o sigilo e a probidade, apenas para manter um “status” e usufruir dos benefícios dos cargos ocupados.
Não posso deixar de ponderar, como delegado de polícia civil, que via de regra, as investigações policiais que atingem agentes públicos e integrantes de “alta sociedade”, independente do processo de politização, são criteriosas e técnicas. Todavia é fato que algumas são “planejadas” nos bastidores do poder para atingir interesses momentâneos.
Assim como em outras investigações politizadas, na primeira fase da operação “Status Debitum” constatamos de forma evidente, antes mesmo da deflagração, o vazamento de informações pelos veículos de imprensa, com a disponibilização do conteúdo de depoimentos e manifestação dos investigados.
Na verdade, o vazamento e quebra de sigilo tem se tornado uma característica peculiar das investigações politizadas, diga-se de passagem, quase sempre sem punição aos envolvidos, mesmo sendo considerado conduta criminosa que fere um dos pilares do processo penal.
Mas o que chama atenção na investigação contra a suposta “máfia dos precatórios” no Acre são outras particularidades. A primeira delas foi a utilização da investigação, ainda no mês de novembro de 2021, como ferramenta para fomentar o debate eleitoral envolvendo a disputa de cargos da Diretoria da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB –AC).
Outro fato singular foi o período de deflagração da operação. Um efeito natural do oportunismo da “politização” da investigação.
Segundo noticiado por parte da imprensa, as ordens judiciais de busca domiciliar não foram cumpridas antes por causa dos cargos ocupados pelos investigados. Ora, se o principal objetivo de uma investigação é coletar provas de autoria e materialidade, parece óbvio que quanto mais existe demora no processo de coleta, mais difícil será alcançar essa prova, independente de questões envolvendo foro privilegiado.
Por último, o que mais chamou atenção na operação policial, foram as declarações dos investigadores para a imprensa.
Sem desrespeitar qualquer profissional da segurança pública e, principalmente, da polícia judiciária, não é admissível em qualquer investigação descartar o envolvimento de possíveis coautores e partícipes, principalmente quando a operação ainda está em sua primeira fase e, buscando coletar prova por medidas cautelares de busca domiciliar. Não se deve esquecer que os nomes citados também estão sendo investigados pela Polícia Federal por supostos atos graves de corrupção conforme amplamente divulgado na imprensa.
O raciocínio é simples. Como resultado da busca domiciliar, a arrecadação de alguns documentos pode determinar a identificação de novos suspeitos, ou até mesmo, durante o andamento da investigação, um dos envolvidos pode se disponibilizar a participar de uma “delação premiada”, e, assim, novos suspeitos passam a ser investigados.
Ao expormos todos os detalhes mencionados, percebemos que a investigação sobre a suposta “Máfia dos Precatórios” pode ser apenas mais uma peça do quebra-cabeça do “jogo político” no Acre.
Nossa análise sobre a investigação não tem interesse em enfrentar questões jurídicas, mas sim demonstrar circunstâncias que podem definir o futuro da persecução penal, ou seja, a possível punição dos envolvidos, caso realmente tenha ocorrido alguma conduta típica, pois a investigação criminal moderna buscar esclarecer os fatos e até a existência ou não de crimes.
Agora, resta-nos aguardar o que realmente vai acontecer com a investigação. Talvez não possamos acompanhar nenhuma outra fase da operação “Status Debitum” e a investigação fique esquecida por já ter alcançado o resultado almejado no “tabuleiro” político.
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Roberth José de Sousa Alencar é Delegado de Polícia Civil pós graduado em Ciências Penais, Direito do Estado e Docência Superior pelo Instituto Flávio Gomes (LFG), bem como especialista em investigação criminal com cursos no FBI e CSI Miami. Ex – Diretor Jurídico e Operacional da Polícia Civil do Acre, Professor de cursos preparatórios para concursos e de Instituições de Ensino Superior, além de ter exercido a função de Coordenador da Força Nacional de Segurança Pública nos estados de Sergipe, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. E-mail: roningracia@gmail.com