Por: Daniel Allyson
Em meio aos desafios sociais e de saúde mental que atingem cada vez mais as juventudes brasileiras, o Acre decidiu apostar na escola como espaço de transformação. Em 2025, o governo estadual começou a implementar dois programas de prevenção ao uso de álcool e outras drogas – Elos – Construindo Coletivos e #TamoJunto – com o objetivo de criar vínculos, fortalecer a convivência e desenvolver habilidades de vida entre crianças e adolescentes.
As ações, coordenadas pela Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e realizadas em parceria com as secretarias estaduais de Educação, Saúde e Assistência Social, representam uma mudança de paradigma: a prevenção deixa de ser apenas discurso e passa a ocupar o chão da escola.
“O Elos é para o ensino fundamental 1 e o #TamoJunto é para o fundamental 2”, explica Ana Cristina Messias, coordenadora da RAPS no Acre. “Cada metodologia trabalha de acordo com a idade das crianças. A ideia é instrumentar o professor para trabalhar com o aluno, não apenas dar palestras que passam e somem.”
Da sala de aula à vida real

O #TamoJunto é a versão brasileira do programa europeu Unplugged, desenvolvido a partir de evidências científicas. Ele propõe 12 aulas e oficinas para famílias, com temas como pressão dos pares, autoestima e tomada de decisão. Já o Elos, voltado a crianças de 6 a 10 anos, trabalha a convivência e o respeito por meio de jogos cooperativos e atividades que ensinam a lidar com emoções e conflitos.
Ambos os programas foram incorporados à política nacional de prevenção do Ministério da Saúde e são considerados referências em educação preventiva. Segundo pesquisas internacionais, a abordagem contínua em sala de aula tem mais impacto do que campanhas pontuais, especialmente quando há envolvimento de professores e famílias.
“As palestras passam, mas o conteúdo desses programas fica”, reforça Ana Cristina. “A escola passa a ser parte ativa da prevenção. O aluno se sente ouvido, o professor entende o contexto e a família é envolvida no processo. É prevenção com vínculo, não com medo.”
Formação e rede de apoio
A implementação começou em escolas estaduais de Rio Branco, como a Maria Chalub Leite, e será expandida para cidades como Cruzeiro do Sul, Tarauacá, Feijó, Rodrigues Alves e Marechal Thaumaturgo. Em agosto de 2025, educadores, articuladores e técnicos de diferentes áreas participaram de uma semana de formação para aprender as metodologias.

Segundo Ana Cristina, o processo formativo é o coração da iniciativa. “Nós formamos articuladores da assistência, formadores da educação e apoiadores da saúde. É um trabalho intersetorial, e isso é o que o torna potente. A prevenção só acontece quando há rede, quando as pessoas se olham e se escutam.”
Ela ressalta que os programas estão sendo aplicados em escolas de tempo integral, justamente por permitirem mais espaço para atividades pedagógicas de convivência. O plano do Estado é ampliar a adesão para todas as regionais até 2026.
Um desafio que começa cedo
De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), quase 60% dos estudantes brasileiros entre 13 e 17 anos já experimentaram bebidas alcoólicas, e um em cada cinco relatou uso de drogas ilícitas pelo menos uma vez. No Acre, a realidade é agravada por desigualdades sociais e dificuldades de acesso aos serviços de saúde mental.

Ana Cristina vê o investimento em prevenção como uma resposta a esse cenário. “Quando você começa a trabalhar a criança e a família desde cedo, cria fatores de proteção. Não é só sobre drogas, é sobre autoestima, pertencimento e oportunidades. A prevenção começa quando a escola vira um lugar de escuta e afeto.”
A coordenadora defende que a escola é o espaço ideal para identificar vulnerabilidades e fortalecer laços. “O professor está ali todos os dias. Ele é quem percebe quando algo muda, quando o aluno se isola, quando começa a faltar. Se damos ferramentas a esse professor, damos poder à prevenção.”
Fortalecer a RAPS é cuidar do futuro
A expansão dos programas nas escolas acontece junto ao fortalecimento da própria Rede de Atenção Psicossocial, responsável por acolher casos mais graves. Ana Cristina conta que o Acre ampliou em quase 50% o número de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) desde o ano passado e vem investindo em capacitação de profissionais.
“Já temos Rodrigues Alves, Marechal Thaumaturgo e Tarauacá implantando novas unidades. Isso mostra que o Acre está construindo uma rede de cuidado que dialoga com a escola. Prevenir é uma coisa, mas também precisamos ter para onde encaminhar quem precisa de cuidado mais intensivo.”
Ela admite que os desafios são grandes: distância entre os municípios, falta de recursos e dificuldade de manter equipes especializadas, mas acredita que o Estado está no caminho certo. “A prevenção e o cuidado caminham juntos. Não adianta falar sobre drogas sem garantir que o jovem terá apoio se precisar.”
Educação como ato de cuidado
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), um em cada sete adolescentes no mundo convive com algum transtorno mental, e muitos não recebem acompanhamento adequado. Para a coordenadora, o enfrentamento desse quadro passa pela escola, o espaço onde as relações humanas ainda têm poder transformador.

“Prevenção é salvar vidas. E isso começa na sala de aula”, afirma. “Quando o aluno entende que tem alguém que se importa, que o escuta, que o orienta, ele cria perspectiva. É ali que a gente evita a dor e o desespero de perder um jovem para o vício, para a rua ou para o crime.”
Com a formação de professores e o fortalecimento da rede psicossocial, o Acre aposta em uma política que une educação, saúde e cidadania. O objetivo, diz Ana Cristina, não é apenas combater o uso de drogas, mas criar ambientes onde as crianças e adolescentes se sintam pertencentes, acolhidos e capazes de escolher outros caminhos.
“O que queremos é que nenhuma criança se perca por falta de cuidado”, resume. “A escola é o primeiro território do afeto. Se ela for forte, o resto da sociedade também será.”
A escola como espaço de socialização
Para o sociólogo Israel Souza, ouvido pela reportagem, a presença desses programas nas escolas cumpre uma função social essencial. Ele define a escola como uma das instituições mais importantes na formação cidadã.
“Juntamente com a igreja, a escola é uma das instituições que promovem a segunda socialização da criança, aquela que vai além do núcleo familiar. É nela que a criança e o adolescente aprendem a lidar com o que é diferente, com a diversidade, com o coletivo. É nessa convivência que se forma a ideia de nação, de pertencimento”, explica.
Segundo ele, essa integração entre escola, família e comunidade é o caminho mais promissor. Souza acredita que, ao despertar a consciência e o senso de pertencimento, esses programas podem reduzir o estigma e a criminalização dos jovens das periferias.
“Superar a perspectiva punitivista e preconceituosa é fundamental. Uma pessoa que se sente acolhida e compreendida tem muito mais condições de procurar ajuda do que aquela que vive com medo de punição. O usuário de drogas não é um criminoso; é um doente, e precisa ser tratado como tal”, afirma.
Souza defende que o Estado deve olhar para a juventude com empatia e responsabilidade. “Devemos nos alegrar quando a escola é inserida em projetos que discutem o uso de drogas a partir da prevenção. É muito mais importante orientar a consciência e alertar sobre os riscos antes que o problema aconteça.”
Uma política de futuro
No Acre, o esforço de prevenção avança junto ao desejo de mudar o olhar da sociedade sobre o cuidado. Para Ana Cristina Messias, essa é uma política de longo prazo, que exige persistência e sensibilidade.
“O que queremos é que nenhuma criança se perca por falta de cuidado. A escola é o primeiro território do afeto. Se ela for forte, o resto da sociedade também será”, diz.
Para Israel Souza, a força desses programas está justamente no diálogo que eles promovem. “É no encontro com o outro, na diversidade e na escuta, que nasce a cidadania. Quando a escola cumpre esse papel, ela não só ensina, ela transforma.”
A urgência da saúde mental infantil
Esses programas se mostram como uma aposta concreta na promoção da saúde mental infantil e adolescente: ao proporcionar nas escolas não apenas informação, mas também acolhimento, vínculo e encaminhamento, ele reafirma que prevenção e cuidado emocional são componentes essenciais da política pública. Em um cenário em que dados revelam consumo precoce de álcool e drogas entre adolescentes, a integração entre educação, comunidade e saúde deixa de ser opcional para se tornar estratégica.
Não se trata apenas de reduzir números, mas de ampliar oportunidades para que crianças e jovens encontrem suporte, construam vínculos e vivam seus processos com orientação, antes que o uso de substâncias ou o sofrimento psíquico se instale como resposta silenciosa. Iniciativas desse tipo reforçam que a saúde mental deve estar no cerne da infância e adolescência, permeando a rotina escolar e o dia-a-dia comunitário.
Se você, estudante, responsável ou educador identificar sinais de sofrimento, isolamento ou uso de substâncias entre crianças ou adolescentes, saiba que é possível buscar ajuda. A seguir, alguns canais em Rio Branco para atendimento:
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CAPS AD III – Rio Branco (Rua Luiz Z. da Silva, 364 – Conjunto Manuel Julião) – Telefone: (68) 3223-9752.
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CAPS II Samaúma (Rua São José, n° 20 – Nova Esperança, Estrada do Calafate) – Telefone citado como: (68) 3223-9532 ou conforme rotina da unidade.
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CAPSi – Rio Branco (infanto-juvenil): Rua Isaura Parente, 256, Bosque, Rio Branco – AC – Telefone: (68) 3228-2631.
Lembre-se: também é possível procurar a Unidade Básica de Saúde (UBS) de seu bairro para encaminhamento à Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Em casos de emergência de saúde mental, o serviço de urgência local pode ser acionado imediatamente.



